CAPÍTULO 2

Os artistas e seus comportamentos


Luiz Miller de Paiva
Alina M. A. P. Nogueira da Silva

A maioria dos artistas expressa suas emoções através da arte e apresenta distúrbios emocionais durante a vida. Isso se dá, pois os traumas sofridos na infância acentuam a agressividade herdada dos antepassados, desde os homens das cavernas. Essa agressividade, associada a preconceitos gerados pela sociedade e suas restrições, gera um complexo de culpa que, por sua vez, causa a autodestruição do indivíduo.

Essa autodestruição pode ser provocada por uma série de doenças, pelo fracasso profissional, manifestando-se através de um suicídio lento ou agudo, além de ser causada pela infelicidade conjugal, com isso atingindo diretamente, os filhos. Essa situação aparece de forma clara na arte em geral, em especial na pintura, onde se encontram os reflexos de um ambiente doméstico infeliz, com pais ignorantes, autoritários, “castradores”, ou pouco afetuosos.

Dos vinte e dois pintores clássicos de renome, estudados nesta obra, poucos tiveram uma vida conjugal feliz. Os famosos Giotto, Boticelli, Michelângelo, Rafael e Leonardo da Vinci eram solteiros. Ticiano, Rubens e Goya eram Don Juans que demonstravam seus conflitos em seus quadros.

Vincent Van Gogh (1853-1890)

Van Gogh tinha uma identificação com o pai, que era ministro protestante. Tudo que pertencia a ele deu aos mais necessitados. Sentia culpa e queria proteger os outros. Casou-se com uma lavadeira e depois com uma prostituta.

Durante a sua vida, para não ter que matar Gaugin, “suicidou-se parcialmente”, ao cortar sua própria orelha.

Vincent abusava da cor amarela, o que é significante. O desespero pode ser visto em seus quadros: “Os corvos no milharal”, “O carro de cigano”, dentre outros.

No decorrer dos anos, Van Gogh apresentou diversos transtornos de personalidade, depressão, alucinações, crises de mania religiosa e automutilação, em que cortar a orelha significou um símbolo fálico de castração.

Michelangelo Buonarroti (1475-1554)

Apesar de todas as surras e repreensões dos pais (apanhou por pintar e rabiscar as paredes), insistiu em ser artista, mas a desconfiança e a forte agressividade o acompanharam durante toda a sua existência. Era frustrado em todos os aspectos de sua vida, inclusive o sexual. Em sua obra “Cristo e a mãe”, fez a mãe mais moça, pois considerava que a mulher pura conserva a mocidade. Através de um olhar psicanalítico, ele não admitia a mãe tendo relações íntimas com seu pai.

Outra obra de destaque de Michelângelo, “Moisés”, foi estudada por Freud, que concluiu que a disposição de levantar-se representa um momento decisivo da vida. Observou que há um aparente contraste entre a serenidade exterior de atitude e a expressão do olhar, definido por ele como um “olhar inflamado”. Outra visão de Freud a respeito da obra foi considerar “Moisés” o retrato do Papa Júlio II, em virtude de ambos serem de ação, apesar de suspeitar de o fracasso a que ambos estariam condenados.

Leonardo da Vinci (1452-1519)

O mais perfeito tipo humano do mundo moderno, o que não estamos de acordo, pois se tratava de um indivíduo infeliz sexualmente. Da Vinci nunca se casou e atribui-se esse fato ao ter sido filho de uma aventura do pai, advogado florentino, com uma camponesa. Educado pela mãe até os sete anos, sem contato com o pai, diferentemente dos meninos de sua idade, desenvolveu o dom da invenção.

Rafael Sanzio (1483-1520)

Imberbe e muito delicado, e um rico cidadão da Renascença, ao pintar “São Jorge e o Dragão”, demonstrou nessa obra um conflito sexual, na medida em que desejava destruir os monstros do inconsciente. Sofreu de neurose do destino e faleceu no mesmo dia em que nasceu.

Ticiano Vecelli (1480-1576)

“Don Juan”, hipocondríaco, de caráter duvidoso e sedutor, mesmo depois de velho. Pintou “Baco e Ariadna”, em que se vê essa sensualidade exagerada e, em sua obra “Amor sacro e profano”, registrou seu provável conflito sexual.

Peter Paul Rubens (1577-1640)

Parece ter tido forte complexo edipiano, pois se manteve recluso por longo tempo, devido ao falecimento da mãe, e só depois, casou-se com uma mulher frígida e pintou-a nua, ao lado de um cupido alado, “Helena de Fourment”.

Francisco José Goya y Lucientes (1746-1828)

Pintor realista, Goya era um Don Juan nato, um verdadeiro Shakespeare do pincel; gostava de três coisas: namorar uma rapariga, desafiar alguém para um duelo e pintar um quadro. O seu conflito homossexual aparece em sua obra “A luta do Frei José com o soldado”, onde demonstra sua luta íntima, em que sua parte boa combate seu lado ruim, fálico. Palavras dele: “Que velhacas são as mulheres, mas que desejáveis velhacas”.

Eugene Delacroix (1798-1863)

Pintor, romancista, temperamental, hipocondríaco, revela toda sua tristeza nos quadros: “A viagem no cemitério”, “São Jorge e o dragão”, “Jacob e o anjo”, dentre outros. Esse artista nunca se casou.

El Greco – Doménicos Theotokópoulus (1541-1614).

Parece ser esquizofrênico, devido a seu tipo de pintura: quadros tristes, abusando da cor cinza, retratando uma agressividade recalcada, ao deixar de usar a cor vermelha, na maioria de seus quadros. Como exemplo, pode-se citar seu quadro “Espólio”, pertencente à Catedral de Toledo, em que o vermelho só aparece na figura de Cristo, o que pode significar uma hostilidade a seus pais. Não se casou, embora possuísse um filho natural.

Hugo Van Der Goes (1440-1482)

Foi recuperado, antes de falecer de doença mental (somente descoberta pelo manuscrito do convento, onde passou seus últimos anos), similar ao que ocorreu com Saul e a Harpa de Davi, curando-se ao escutar a harpa. Com tristeza e angústia profundas, com inibição dos movimentos do corpo, sem ânimo para vestir-se, comer ou falar, permanecia em sua cama, no escuro, com ideias delirantes de ruína, indignidade, condenação inescapável, sem argumentação lógica. Hugo Van Der Goes começou a gritar inesperadamente, por estar condenado ao fogo eterno, ou seja, começou a sofrer de “frenesis maligna”, hoje conhecida como esquizofrenia. Tentou suicídio em 1480, e morreu dois anos depois. Dentre seus quadros mais célebres está “Trânsito da Virgem”, que se encontra no museu de Bruges e, segundo Wittkower, foi pintado depois de sua doença mental.

Dentre os artistas famosos e suas neuroses, destacam-se alguns escritores. 

Nicolau Maquiavel (1469-1527)

A vida de Maquiavel foi uma obra-prima. Sente-se por ele uma admiração, simpatia, afeto e respeito, apesar de apresentar em seus textos, uma maldade refinada, sem escrúpulos, um sarcasmo associado a seus apelidos: “demônio da linguagem coloquial” e “Anticristo”. O teatro de Maquiavel é comparado, por Voltaire, ao de Shakespeare, e Napoleão considerava sua obra a única que deve ser lida.

Franz Kafka (1883-1924)

Similar a Kierkegaard, encontramos Franz Kafka, com seus conflitos amorosos. Ele diz: “Amor é seres a faca que revivo nas minhas entranhas”. Inteiramente alienado em relação a si mesmo e ao resto do mundo, fugiu do amor até seu relacionamento com Dora Dymont. Morreu de tuberculose. Em um dado momento de sua vida, escreveu uma carta à sua irmã, morta pelos nazistas, denunciando-os. Era considerado por todos como “um navio sem leme”, impulsionado pelo vento, surgindo das regiões geladas da morte (Bloon, 2003), sempre enfatizando o pesadelo do absurdo.

Na parábola “Grande Muralha”, comparada à “Torre de Babel chinesa”, Kafka, ao despertar em seu velho navio, sentiu um amor isolado e tristonho, em algum lugar da Terra.

Quando Kafka leu, pela primeira vez, seu livro “Metamorfose”, sentiu-se uma barata; e, em o “Processo”, em que no final é julgado e condenado, mal pôde continuar a leitura, devido à ironia de seus colegas. Um trecho desse último livro: “Meu navio não tem leme e é impulsionado por ventos que sopram nas regiões mais profundas da morte”. Em outro momento da mesma obra: “Ninguém há de ler o que escrevo, ninguém virá me ajudar, todos se enfiaram em suas camas... não sabem lidar comigo...tenho este estado mental há centenas de anos” (BLOON, 2003).

A maior causa de seus conflitos era seu pai, “ocupado em reinar, em dar ordens, em ficar colérico, porque eu não o obedecia e, por fim, em um terceiro mundo, onde os outros viveram felizes, livres da tirania e constrangimento”. Dentro dele fervia (a fogo lento) a angústia intolerável. Ele diz: “Não desespere quando tudo parece acabado; ainda podem surgir novas forças, pois tu vives”. Contudo, ele vivia em constante oscilação entre a necessidade de se afirmar e as lesões psíquicas que o levavam a descrer de si mesmo: a nosso ver, provocado pelos neurotransmissores produtores da depressão, confusão de sentimentos e culpa pelo ódio ao pai. Os únicos afetos que teve vieram de Dora Dymantt, Franz Werfel e James Joyce, que conseguiram proporcionar a ele uma morte mais digna, transferindo-o para um sanatório em Viena.

Marcel Proust (1871-1922)

Marcel Proust escreveu: “Eu nada fui e nada serei”; e se refere a “uma voz que diz que os mortos existem apenas em nós”. Segundo o autor, ”golpeamos a nós mesmos, quando insistimos em recordar os golpes que neles desferimos”.

Proust dedicou seu tempo a Albertina, uma mulher bem diferente dele, lésbica e muito ciumenta. Isso fica claro em seu livro “Em busca do tempo perdido”. Ele amava muito sua mãe, judia, identificando-se com Fedra , de Racine, através de seu modelo de amor pela mãe. Segundo Joyce, era apenas fetiche. O autor dizia que tudo o que o leitor dissesse, provocava nele culpa e agonia.

Proust era homossexual e tratou do tema da homossexualidade em sua obra, de forma aberta e realista, principalmente em seu livro “Sodoma e Gomorra”.

Samuel Beckett (1906-1989)

Beckett utiliza poucas palavras para dizer o indizível e definir o inominável. Unido a Joyce, considerado por ele um irmão mais velho, e com Proust, escreveu o romance “Europlus”. Suas principais peças de teatro: “Esperando Godot”, “Fim de jogo” e “Última gravação a Krapp”, resultado do trabalho de um homem com menos de trinta anos, em um livro alegre e divertido. Quando residia em Londres, escreveu “Murphy”. Nessa época se submetia a sessões de psicanálise (três vezes por semana), sofrendo de solidão. No livro, de característica esquizofrênica, Beckett faz uma imersão, em busca de paz interior, que tenta resolver por meio da psicanálise.

Palavras do autor: “Escrever conduziu-me ao silêncio. Sempre tive a impressão de haver dentro de mim um ser assassinado, mesmo antes do meu nascimento. Era preciso que eu o encontrasse! Procurar ressuscitá-lo e compreender a minha estupidez, pois nunca me aprofundei em nada. Sempre desejei uma velhice tensa e ativa. O ser que não deixa de arder embora o corpo fuja”.

Beckett é considerado um “escritor do desespero”, do vazio, da incomunicabilidade e da eterna solidão, embora seja um autor moderno. O excesso de linguagem. Os restos mortais de Murphy, principal personagem de seu livro, de mesmo nome, vítima de um incêndio em seu local de trabalho, foram espalhados, em cinzas, no chão de seu pub favorito, segundo James Joyce, amigo e parceiro literário.

Giacomo Leopardi (1798-1837)

O conde Giacomo Leopardi, maior poeta lírico da Itália, teve uma vida desesperadora e morreu aos 39 anos: ele era dominado pela NÓIA e jamais conseguiu conquistar o amor de uma mulher. Essa Nóia, que o destruiu, era para ele a “sombra do credo sem credo”, servindo para preencher os espaços certos e os vazios internos. Essa Nóia surgia nos intervalos entre o prazer e a dor. Significa a busca da felicidade pura, incapaz de ser satisfeita pelo prazer, ao mesmo tempo, jamais ferida pela desgraça e nem satisfeita. Seria, a nosso ver, o instinto de morte – melancolia e tédio.

Cabia ao poeta reconhecer a maldade e a felicidade, demonstradas através da descrição do vazio, conhecendo-as em sua grandiosidade, em obras geniais que preenchem a alma e criam um novo conceito para o ego. Segundo o autor, “A flor do deserto vulcânico é mais sábia e mais firme que nós, com nossa ilusão de imortalidade...” Em outro momento, para o poeta, “ilusões são neste mundo, as únicas coisas reais e substanciais...”.

A descrição de Leopardi sobre a NÓIA está dentro dele. Nós escrevemos sobre a doença do Neutro, no qual há total indiferença pela vida, o real vazio da mente humana. O desejo, quando não satisfeito ou frustrado pelo oposto do divertimento, é a NÓIA. Com isso, pensamos que somente uma psicanálise profunda e bem executada poderá salvar o paciente do estado depressivo, com a possível utilização de drogas antidepressivas. Sabemos que na situação de medo, na depressão profunda, o cérebro escolhe a fuga ao invés da imobilidade, em que o tronco cerebral inicia um processo de eliminação da dor.

Na compaixão pela dor física, após acidente, ou a admiração por atos virtuosos, há uma compaixão pelo sofrimento mental que, quando destruída no conteúdo de C.P.M.S (córtex pós-mediais), os pacientes se “esquecem” de que seus membros estão paralisados.

Octavio Paz (1914-1998)

O poeta mexicano Octavio Paz é insuperável. Para o autor, a mulher representa a ignorância, além de um mistério supremo. Em sua obra “Ao filhos da Malinche”, os filhos da xingada, como esse capítulo é conhecido, que no México, tem a interpretação de os filhos de mãe desconhecida. Xingada é a mãe violentada e passiva, que não resiste à violência, perdendo sua identidade, tornando-se ninguém. Esse fato está relacionado à conquista do México, que foi considerada uma violação. Em suas obras “O labirinto da solidão” e “Soror Juana”, o autor mostrou que” enquanto o poeta dormia, sua alma passeava pelo céu”. Em “Soror Juana”, Paz culpa a Igreja, pois a freira entregou seus livros aos perseguidores e praticou a autoflagelação.

Dostoievski (1821-1881)

No livro “Crime e Castigo”, o autor relata que sua personagem principal, o jovem Raskolnikov  possuía sonhos e fantasias ambíguos. Esse contraste de fantasia com imaginação é claramente demonstrado em um sonho, no qual ele é um menino, e fantasia, em que ele se torna a égua abatida e a velha que está prestes a ser assassinada. Portanto, ele é a vítima, enquanto que na realidade, é o carrasco, cuja agressão feita à égua é similar à realizada na velha.
Em sua obra, “Sósia”, que conta a história de um funcionário público que tem, ou imagina ter um sósia em seu ambiente de trabalho, Dostoievski(1984) demonstra que as pretensões de expulsar “o outro” de sua vida e substituí-lo seria para manter sua própria existência moral. Ou seja, fugir dele mesmo, perder a identificação negativa ou deixar de existir.

Nesse livro, o jovem se sente perseguido, tal como o esquizofrênico e, com frequência, é possuidor de um crime obsessivo, que o impede de manifestar sentimentos verdadeiros. Sente desprezo e vergonha - injunções paradoxais - ou duplas-vinculações.

Relata-se que, pela sua casa, ouviam-se os gritos de seu pai, Mikhail, perseguindo o filho pelo sono adentro, em pesadelos cruéis. Em suas preces, desejou que seu pai morresse e sentiu-se culpado por seu assassinato. Nesse período, deixou inacabados livros que havia começado. Apesar disso, nunca deixou de acreditar na bondade humana, principalmente após a morte de seu filho com Ana Gregorieva, que o amava, embora não se deixasse destruir pelo jogo e pela culpa de “privar a mulher de bens urgentes”. Consegue terminar “Os irmãos Karamazov”, o qual encerra com a citação: “Em ambiente mesquinho, encontrei espiritualidades extremamente vivas”.