Luta se por uma nova vida e isto abre os canais da criatividade, para se buscar, através das fantasias inconscientes corrigidas (sem culpa), a existência ARETÊ, sem HYBRIS (orgulho e arrogância); para isso, acordemos o Homo Mythicus e utilizemos as mensagens anti-bruxa e anti-tanática para equilibrarmos os hormônios, enzimas e cininas do BEM ESTAR, é termos boas qualidade de vida, equanimidade.
A precípua finalidade deste livro é de chamar a atenção de como o instinto da morte (Tanato) é maquiavélico, sub-reptício e traiçoeiro na produção da infelicidade humana.
O que o autor expõe, nada mais que fatos corriqueiros cotidianos, mas que o indivíduo não parece perceber de como o prejudicam, levando-o à doença e à neurose de sucesso.
O autor nada quer ensinar, tudo que aqui está escrito já foi muito abordado por outros estudiosos somente irá utilizar as citações das literaturas clássicas e cientificas célebres, com o intuito de influenciar mais e mais o leitor para que ele possa se tornar – Homo Erogenus, através do Homo Mythicus.
Se este livro representar uma pequena e minúscula luz em uma caverna escura, que é ainda o conhecimento do inconsciente e sua força incomensurável, o autor sentir-se-ia por demais retribuído pelo esforço que teve em escreve-lo.
Ex Mythus Lux ........... (esclarecimento sobre as nossas fantasias inconscientes)
Mehr Light .............(mais luz)
Sursum Corda .......... (elevando os corações)
Carpem Diem ...............(aproveite o dia)
Olhar disperto
Verba Volant, Scripta Manent .............. (as palavras, voam, os escritos ficam)
Gutta Cavate Lapidem .......... (Gota escava a pedra)
De Omni Re Subbili et Quibusdam Aliis ..... (Longe de das as coisas como Sabidas)
O homem em sua evolução na escala zoológica passa de Hominidae ao gênero Homo através da mutação e desenvolvimento do lobo pré-frontal, do sistema reticular e das conexões dendríticas constituindo o superego e dando origem aos sentimentos de culpa, às fantasias inconscientes, a alma para os religiosos, lacrando a sua diferença dos outros animais.
Esta espécie: Homo Mythicus é regida pela paralógica e paleológica ao passo que o Homo Sapiens (Psicanthropus) usa a lógica aristotélica (pensamentos e idéias), e faz de tudo para alcançar o Homo Noumenon – o mais próximo de Deus.
Contudo, persiste ainda nele muito do Homo Brutus, gerando a violência do mundo atual – era atômica dos mísseis, do caos, do predomínio do Instinto de Morte – do TANATISMO. (115,p).
Poderemos fazer algo para evitar esta catástrofe, o Tanatismo?
A alienação, egoísmo e comodismo de cada indivíduo, são normais?
I – São precisamente aqueles que adotaram como tema a alienação e demonstram, com Ionesco (75) e Brechett (18), que nosso atual destino de ser humano é existir em um mundo onde a comunicação entre as pessoas foi destruída. Genet (115, c) o rejeitado que rejeitou a sociedade, na qual os poderosos são suportes de uma ostentação que devem arrastar pela lama do real e do cotidiano, a falsidade desse ritual (pseudo liturgia). “A Última Gravação de Krapp”, de Brechett (13): nossa existência torna-se cada vez mais solitária, à medida que se tornam mais numerosos os rádios, os televisores e as extensões de telefone em nossa casa. Em “A cantora Careca”, de Ionesco (75), há uma cena em que um homem e uma mulher encontram-se por acaso e iniciam uma conversação polida, bem educada. Aos poucos vão descobrindo que ambos chegaram a Nova York pelo trem das dez da manhã, vindos de New Haven e, surpreendentemente, dirigem-se ambos ao mesmo endereço num prédio da Quinta Avenida. Incrível, vivem os dois no mesmo edifício de apartamentos e têm uma filha de sete anos. Finalmente descobrem, espantados, que são marido e mulher. É um exemplo de comunicação esquizofrênica.
II – “Aqui nos encontramos para além das causas e dos efeitos”, escreve Merleau Ponty (125), falando do pintor: “reúnem-se os dois na simultaneidade de um Cézanne eterno, que é ao mesmo tempo a fórmula do que desejava ser e realizar. Existe uma relação entre o temperamento esquizóide de um Cézanne e sua obra, por que esta revela um senso metafísico da doença... Neste sentido, ser esquizóide e ser Cézanne são a mesma coisa”. Somente um esquizóide, isto é, somente um homem bastante sensível para penetrar os conflitos psíquicos ocultos poderia apresentar o nosso mundo como ele é, em seus aspectos mais profundos. Eis o exemplo de Lacan, Salvador Dali e Rene Magritte e outros tantos esquizóides.
III – Nossos pacientes predizem a cultura vivendo, conscientemente, o que a massa do povo conserva ainda inconsciente. O neurótico é predestinado ao papel de Cassandra. Diz Ésquilo (52): “em vão Cassandra, sentada na escadaria do palácio de Micena, quando Agamemnon a trouxe de volta de Tróia, chorou: “Oh, quem me dera a pura canção do rouxinol e um destino como o seu”. Ele sabe, em sua malfadada existência, que “a dor que transborda da triste canção é apenas a sua”, e que deve profetizar o destino que pressente. O povo de Micena julga-a louca mas acredita também que fale a verdade e possua uma faculdade especial para prever os acontecimentos. Hoje, a pessoa que tem problemas psicológicos carrega no próprio sangue o peso dos conflitos dos tempos e está destinada a predizer, através de seus atos e lutas, as crises que mais tarde irromperão de todos os lados, na sociedade.
A primeira e a mais nítida demonstração desta tese encontra-se nos problemas sexuais que Freud (40) descobriu em seus pacientes vitorianos; ninguém poderá afirmar que ele foi a “causa”; ele refletiu e interpretou.
Um segundo exemplo de menor monta encontra-se na grande hostilidade revelada pelos pacientes da década atual.
IV – Camus (22) escrevia então (1947) sobre este “século do medo”. Seria este período normal?
Kafka (65) já havia criado vigorosas vinhetas da era que se aproximava, em seus romances. Precipitamo-nos cada vez mais em uma sociedade esquizofrênica e na anomia de Durkheinn (31, na promiscuidade sexual e no anti – amor (sexo objeto).
V – Nossa época deveria ser chamada “a era da vontade desordenada”.
VI – Existem quatro espécies de amor, segundo a tradição ocidental. Uma é genital, ou o que chamamos sexualidade. A Segunda é Eros, o impulso de amar para procriar ou criar – é a libito ou impeto, segundo os gregos, em direção a formas mais elevadas de ser e relacionar-se. A terceira é philia, ou amizade, o amor fraterno. A quarta é agapé, ou cáritas, como a chamavam os latinos, o amor dedicado ao bem do próximo, do qual o protótipo é o amor de Deus pelo homem. Toda experiência humana de amor autêntico é uma mistura, em proporções variáveis, das quatro espécies de amor. O anti-amor é o sexo genital – promiscuidade - relação objeto – e é o que constatamos na época atual, a anomia de Durkheinn.
VII – No Centro para o Estudo das Instituições Democráticas, de Santa Bárbara (USA), seu relatório, intitulado “A Sociedade Assexual”, encara francamente o fato de “não” estarmos nos precipitando a uma sociedade bissexual, ou plurissexual, e sim assexual: os meninos usam cabelos compridos e as meninas andam de calças... O romantismo desaparecera; na verdade, já quase desapareceu de todo ... Com a “Renda Anual Garantida” e a “A Pílula”, as mulheres quererão casar? Para quê?. A Sra. Eleanor Garth, que participou dos debates e escreveu o relatório, aponta a transformação radical que pode ocorrer no plano da procriação e da educação das crianças. “E quando chegar o tempo em que o óvulo fertilizado possa ser implantado no útero de uma mercenária e a progênie selecionada num banco de esperma? A mulher resolverá por uma cópia do marido, se é que o marido ainda existe? ... Nenhum problema de ciúmes, de transferência afetiva ... E as crianças criadas em incubadeiras? ... O amor comunitário desenvolverá as qualidade humanas que julgamos resultantes da atual educação infantil? As mulheres em tais condições perderão o instinto de sobrevivência e se orientarão para a morte, como a atual geração dos homens ...
“O que perturba é a possibilidade do desaparecimento de nossas qualidade humanas, geradas de vida, com a velocidade da evolução das ciências naturais e o fato de que aparentemente ninguém questiona as alternativas positivas ou negativas de tal evolução”.
VIII – Entre as jovens brancas nos USA. – a porcentagem de nascimentos ilegítimos saltou de 1,7 há dez anos para 5,3. Encontramo-nos diante de uma estranha situação: quanto mais controle de natalidade, mais numerosos os filhos ilegítimos. O mesmo se dá com o aborto legal mais número de infecções e complicações.
IX – O porco-espinho se une sexualmente mas com todo o cuidado, portanto a agressividade deve ser conduzida.
X – É interessante recordar que Romeu e Julieta (155) eram membros de famílias inimigas. Eros salta a barreira da inimizade.
Shakespeare permanece fiel ao significado de Eros quando faz com que o amor de Romeu e Julieta, embora trágico, reúna os Montecchios e Capuletos e toda a cidade de Verona.
XI – O próprio Sócrates (157), conforme o vemos e ouvimos nos Diálogos, será talvez o maior modelo de psicoterapeuta. Sua prece ao final de Phaedo poderia ser gravada nas paredes do consultório de todo psicoterapeuta:
“Amado Pan, e todos os outros deuses que habitam este local, dêem-me beleza no íntimo da alma; e que o homem interior e exterior seja um só. Que eu reconheça que o sábio é rico, e que eu possua somente a quantidade de ouro que um homem modelo possa carregar”.
XII – Mas descobrimos, para nosso horror, que junto com a injusta supressão havíamos lançado fora as diferenças que constituem a delícia da vida.
XIII – Aristóteles (7) e quem mais de aproxima de “domar” o demônio com seu conceito de ética “eudemonística”. A felicidade – ou eudemonismo – em grego, resultava de “ser abençoado por um bom gênio”. A felicidade é viver em harmonia com o próprio demônio, pois amor e ódio são irmãos gêmeos. O oposto ao amor é a indiferença.
Hoje, relacionaríamos “eudemonismo”” com o estado de integração das potencialidades e outros aspectos do próprio ser, com o comportamento.
XIV – Dr. Raymond Prince, psiquiatra que viveu e estudou os nativos de Yorubaland. Quando o curandeiro mental da tribo quer tratar de membros da comunidade atingidos pelo que chamamos de males psicológicos, toda a aldeia participa. Após os costumeiros rituais de atirar ossos e uma cerimônia que se acredita seja destinada a transferir o problema – impotência sexual, depressão ou outro – a um bode, que então (como “bode expiatório”) é ritualmente sacrificado, toda a aldeia se reúne para várias horas de dança frenética. Esta dança constitui a parte principal da cura. Nela o ponto significativo é que o nativo que quer se curar identifica-se com a figura que ele julga possuí-lo demoniacamente. Simular a sombra dos ancestrais de Turner (170) e durante uma grupanálise profunda e bem feita, chega se a exorcizar os objetos maus internalizados.
XV – Ésquilo (52), o intérprete por excelência dos antigos mitos e religiões, em sua peça, “Os Persas”, faz com que a Rainha descreva as ilusões de Xerxes que arruinaram a Pérsia, atribuindo-as a um “daimon”. Este é um exemplo de homem vítima passiva do demônio. Mas o fantasma de Dario, ao saber que Xerxes tentara colocar cadeiras no sagrado Bósforo (ato de excessivo orgulho), declara que “um poderoso demônio arrebatou seu juízo”. Isto é algo diferente. A força demoníaca não se apossa simplesmente do indivíduo, transformando-o em sua vítima, mas age através dele psicologicamente, moldando seu raciocínio, tornando difícil para ele enxergar a realidade, mas deixando-lhe a responsabilidade do ato. Ésquilo não é impessoal, e sim transpessoal, um crente ao mesmo tempo no destino e na responsabilidade.
XVI – Satã, do grego diabolos; “diabólico”, significa literalmente “destroçar” (dia-ballein).
Diabólico é antônimo de “simbólico”. O último vem de symballein e significa “reunir”, unir. Estes vocábulos encerram tremendas implicações referentes à ontologia de bem e mal. O simbólico é aquilo que une, liga, integra o indivíduo em si mesmo e no seu grupo, motivado pelo conhecimento do Homo Mythicus.
XVII – O Senhor censurou Adão e Eva por comer o fruto “da árvore do bem e do mal” e mostrou-se preocupado, caso tentassem comer o fruto da vida eterna. Impulsos demoníacos de concupiscência e poder, Satã é o símbolo que personifica tais impulsos. Tal como Júpiter diante de Prometeu.
Osler (120), em sua “Aequanimitas”, com efeito, não difere em nada da ataraxia tal como esta foi entendida por estôicos e epicúreos. A importância de cultivar a virtude da imperturbalidade, a qual defino como segurança e presença de ânimo frente a qualquer circunstância.
Quem é mais adequado protagonista da ataraxia grega é o impávido psicanalista, quando expurgado de grandes reações emocionais através de sua análise didática, observando, ao lado do divã, onde se angustia seu paciente.
Cultivar a equanimidade de tal maneira que se permita surportar o êxito com humildade, o afeto dos amigos sem vangloriar-se e estar preparado, para que chegado o dia da aflição e da tribulação para afrontá-lo com o valor que corresponde a um homem.
A aequanimitas de Osler (120) reúne ambas as coisas: a fortaleza do homem que sabe dominar-se e a imperturbalidade.
O conflito trágico da Medea Eurípidiana, presa da força inexorável dos thumos (ou Tomos, isto é, pedaços): sua profunda “mesmidade” irracional; as coisas arteiras e terríveis que possa cometer; mas os thumos são mais que os propósitos; thumos, a raiz dos piores atos dos homens.
Precisamos, também, da dança grupal na “Aldeia Global”, no dizer de McLuhan (181), tal como na grupanálise.
“O segredo da felicidade – diz Bertrand Russell (140) – é encarar o fato de que o mundo é horrível, horrível, horrível ... você precisa senti-lo profundamente e não varrê-lo para um lado ... você precisa senti-lo exatamente aqui (batendo no peito) e então poderá novamente ser feliz”.
Acordar Sísifo do absurdo de sua rotina tanática...
Pretendemos ou melhor precisamos fazer algo para acordar o Homo Mythicus, conhecê-lo bem e exorcizar o Homo Brutus para podermos chegar ao Homo Noumenon – aquele que vislumbrou a paz e a felicidade ...
A mensagem do poeta chinês Kuam-tzu (90); reza:
“Se teus projetos são para um ano, semeia o grão;
Se são para dez anos, planta uma árvore;
Se são para cem anos instrui o povo;
Semeando uma vez o grão, colheras uma vez; Plantando uma árvore,
Colheras dez vezes; Instruindo o povo, colheras cem vezes”.
Outro sábio chinês Confúcio (36) já disse:
“Mesmo que soubesse que o mundo acabaria amanhã, ainda assim eu plantaria uma macieira”.
(Sob forma de "colcha de retalhos")
“O mundo é insuportável a quem não o encara
como espetáculo estético, olha-lo com motivo
para um quadro é atitude que afasta os
espinhos" (Nietszche) (119).
A felicidade é proporcionalmente inversa ao sentimento de culpa: quanto mais o indivíduo destilar as suas culpas mais feliz ele se tornará (dito destilar, deixar cair lentamente, eliminando impurezas que são os sentimentos culposos originários principalmente das fantasias inconscientes). Felicidade é pois sair da depressão: é obter mundo interno e o mundo externo.
Klein, Heimann, Isaacs (94) (66) (76), e Segal (150) consideram a fantasia inconsciente como "expressão mental" de instinto por meio do ego, além de instrumento de defesa para escapar da realidade externa e interna. O ego imaturo da criança está exposto, desde o nascer, as angústias provocadas pela polarização inata dos instintos (conflito entre os instintos de vida e de morte). Do mesmo modo que o instinto de morte se projeta para fora afim de rejeitar a angústia, assim também a libido é projetada, mas com o propósito de criar um objeto que satisfaça a necessidade instintiva (de seu ego) de preservar a vida; daí a suma importância dos períodos de molde.
Denomina-se "período de molde" (115,a) a lactação (primeiro período de molde) e o ambiente familiar de 0 a 7 anos de idade (segundo período de molde).
Se o indivíduo for concebido por amor e tenha recebido afeto, carinho "reverie" desde o nascimento, um ambiente tranqüilo e, principalmente, nos seus sete primeiros anos de vida (fase oral, anal e genital da escola freudiana), ele poderá bem formar a sua personalidade.
Até nos animais, como já mostramos em trabalhos anteriores (115, a, c), é de capital importância o chamando "período critico", isto é, momento em que um trauma (separação da mãe ou uma tensão) poderá acarretar graves conseqüências no comportamento do animal adulto. As faltas de reverie, afeto e amor, ainda nos primeiros anos de vida, podem acarretar as chamadas "doenças por carência afetiva". Bowlby (25) verificou que 85% dos 84 ladrões e outros tipos de delinqüentes tinham ficado separados da mãe por mais de três meses, nos quatro primeiros anos de vida. Estamos convictos que a separação dos pais nos períodos de molde gera sentimentos de abandono e este é o motor da criatividade das fantasias inconscientes agressivas, as quais acabam, no futuro, gerando sentimentos culposos. Estes sentimentos culposos causam doenças das mais variadas, inclusive os distúrbios de comportamento, neuroses de êxito e a angústia vital.
Se o indivíduo nasce com o ego fraco (má carnadura, "nasceu nervoso", etc.) ou melhor com maior capacidade de sofrer inveja e que tenha tido falta de leite, "reverie" materno, vai sentir a mãe como perseguidora, resultando daí uma projeção de sua agressividade inata sobre o seio (e depois projetará essa hostilidade ao mundo todo),tornando-se anti-social e infeliz.
Quanto mais agressivo tiverem sido os pais, nos períodos de molde, maior será a dificuldade para o filho adquirir a paz de espírito, tão almejada. Os filhos ressentidos para com os pais, irão elaborar secundariamente, as fantasias inconscientes agressivas e mesmo tanáticas, e com isso, terão muita dificuldade de alcançar a felicidade.
A agressividade dos pais dificulta pois, a obtenção do prazer em viver e, consequentemente exacerba a angústia vital.
Cada vez mais tem-se valorizado os períodos de molde na formação da personalidade e, principalmente, no comportamento agressivo.
Nós, psicanalistas, temos poucos pacientes nos quais podemos observar o comportamento assassino, decorrente de traumas nos períodos de molde, mas o suficiente para entendemos a mente assassina.
O estudo de 4.269 nascimentos, feito por pesquisadores de Los Angeles e da Dinamarca, veio mostrar que as crianças rejeitadas pelas mães e que tiveram, também, traumas de nascimento, cometiam assassinatos violentos, principalmente na adolescência (aos 18 anos, no cume da curva estatística) (Reine et al,132).
Esse estudo estatístico, orientado por Mednick (1994) (100) veio, portanto, confirmar as nossas observações clínicas - a importância do amor e de segurança, nos períodos de molde.
O ódio, enquanto relação com o objeto, é mais antigo que o amor, e provem do repúdio originário que o ego narcísico tem ao mundo externo. É somente com o estabelecimento da organização genital que o amor se torna oposto ao ódio porque, em geral, amor e ódio são irmãos; o oposto ao amor é a indiferença, daí o intenso sofrimento do paciente com Doença do Neutro (115,r). Muitas vezes, romper com o analista, é conservá-lo, e isso não é a mesma coisa que separar-se dele, fato que sói ocorrer, na reação terapêutica negativa.
Uma das mais graves angústias de abandono é decorrente do sentimento filicida, que está ligado (tipo bumerangue) ao parricídio.
Sócrates (in Apologia apud Platão) (157) já dissera: "Existem no meio de vós, várias pessoas que me acusam, e isto, há muitos anos, mas nenhuma delas é fiel à verdade. Os mais perigosos de todos são aqueles indivíduos que os rondam desde os dias da infância. A única razão porque cercaram de calúnias o meu nome foi por causa da minha sabedoria". O medo da verdade acarreta a inveja do bom e do saber.
O conceito da felicidade é diferente daquele observado pelo cidadão comum e pelos psiquiatras: o primeiro, acredita como felicidade, o prazer conquistado no tempo e no espaço e ou então um estado de ânimo duradouro (diferente do prazer que seria momentâneo; este estaria para a felicidade como o raio de luz estaria para um farol), enquanto que para nós, psiquiatras, a felicidade é decorrente da maturidade espiritual, isto é, conseqüência do desenvolvimento da personalidade no sentido de melhor adaptação à natureza e à sociedade - indivíduo bem moldado (tendo tido bons períodos de molde) e com o funcionamento normal de seus órgãos e aparelhos.
Conclue-se dai, que a felicidade perene não passa de uma utopia; a felicidade é, portanto, sentimento periódico como: brincar com um bebê inocente, com um cachorrinho arteiro, participar de uma competição olímpica, ter uma refeição com amigos íntimos estando-se descontraído, ler um bom livro, assistir um bom filme, participar do êxito do cônjuge, dos filhos e dos amigos, etc. Os momentos felizes para os chineses são aqueles em que o espírito está inseparavelmente ligado aos sentimentos: 1) a chuva após um dia quente, depois da qual cessa a transpiração; 2) um amigo, a quem não se vê há anos, chega de súbito, ao por do sol; 3) beber alegremente com amigos românticos; 4) ouvir as risadas alegres dos filhos; 5) receber o elogio: "como és generoso"; 6) à noite parecendo sentir que alguém está pensando na gente; no dia seguinte ao visitar esta pessoa, recebe-nos de braços abertos; 7) terminar a construção de sua residência; 8) encontrar uma carta manuscrita de algum velho amigo em um baú; 9) regressar ao lar após grande trajeto e ouvir o seu próprio dialeto; 10) acabar de pagar todas as dividas. Observa-se que, em nenhuma destas condições existe agressividade destrutiva, tal como a inveja, o ressentimento, etc. Logo a felicidade tem por base o amor. Ser feliz é amar e ser amado; amar não só um indivíduo, mas também, ser correspondido por ele, sentindo-se querido e útil; amar não é só ligação afetiva entre dois indivíduos; é também, dedicação às artes, às ciências, à humanidade, etc. Toda a dedicação a um objeto, com plena capacidade libídica, é Amar; motivo pelo qual, em comparação simplista, a substituição de Deus por Amor ou Deus por líbido ("Éros", força criativa), em oposição ao diabo ("tanato" ou força destrutiva) leva ao mesmo propósito religioso ou psicoterápico - a melhoria do ser humano.
Sob a égide da filosofia platônica aparece nas "Meditaciones del Quijote" uma interpretação mística do amor através da qual vê 0rtega y Gasset (129) "o universo como um cosmo amoroso enlaçado por uma cadeia de compreensão e nobreza; o sentir-se absorvido pelo amor até a raiz de nossa pessoa, e vivêssemos transplantados com raízes vitais nele. Amor é, portanto, projeção e entrega total ao ser amado; a alma que "não foi arrancada de si mesma... não ama".
Antes de tudo, Ortega é o primeiro a reconhecer a polissemia do termo "amor", seu rico clamor e a sua múltipla significação, distinguindo o amor -pura atividade sentimental para um objeto, que pode ser qualquer, pessoa ou coisa - do estado total da pessoa que ama. Define-o, então, como "um ato centrifugo da alma que vai para o objeto em fluxo constante e o envolve em cálida corroboração, unindo-nos a ele e afirmando executivamente seu ser". Portanto, é essencial ao amor "o estar continuamente caminhando intimamente do nosso ser ao do próximo", já que "no amor abandonamos a quietude e assento dentro de nós, e emigramos virtualmente para o objeto. E esse constante estar emigrando é estar amando".
O amor, tal como a felicidade, não é perene. O amor está sempre mesclado ao ódio. O ódio é irmão gêmeo do amor. 0 antagônico ao amor é a indiferença. Por este motivo, é difícil amor continuo. É mais freqüente o estado amoroso intercalado de frustrações e mesmo de desamores.
O pessimismo metafísico de Schopenhauer no “O mundo como vontade e como representação” (parágrafo 56 – 59) (147) diz: “A vida não admite felicidade verdadeira; o sofrimento é o fundo de toda a vida; a felicidade portanto, só pode ser concebida negativamente. A satisfação, a felicidade, como a chamam os homens, não é propriamente, e em su essência, nada senão negativa; nele, nada há de positivo”. Freud (40), remete a um círculo trágico de pulsão e de satisfação, que encontra seu modelo no esquema Schopenhaueriano da necessidade e da satisfação: toda a satisfação versa sobre um desejo; com a satisfação cessa o desejo e, por conseqüente, também o gozo. Portanto, a satisfação só poderá ser a libertação de uma dor, de uma necessidade. O que chamamos de felicidade resulta mais de uma satisfação súbita de necessidades tendo alcançado uma alta tensão, e só é possível por natureza, sob a forma de fenômeno episódico”.
A tese freudiana seria eclética, dando razão à tese schopenhaueriana, ao colocar em primeiro plano a negatividade da felicidade e o contraste, embora deixando certa positividade com os prazeres.
As mulheres estão sempre na contramão daquilo que o homem de fato gosta. O que o homem faz, ele faz por si, enquanto o homem quer a glória, a mulher busca as fontes da vida.
De onde viria esse narcisismo masculino?
Thomas MacCarry (156) diz que vem de Aquiles, o herói cuja cólera (auto-estima) exigiu, como recompensa – vejam só! - , que Zeus exterminasse milhares de seus companheiros. Para que sejamos, é preciso que os outros morram. No fundo, sabemos, Aquiles também é vítima da auto-idealização das confrarias masculinas.
Todos esses périplos parecem beber água na mesma fonte feminina, o mito de Perséfone, roubada de sua mãe, Deméter, que desde então passa a procurá-la por todos os cantos. Com uma diferença, contudo. Deméter realmente ama a filha desaparecida. Os heróis, ao contrário, não parecem nada inspirados por saudade do “gozo” amoroso. Não buscam o corpo da mulher e a civilização que este promete, mas buscam apenas seu próprio emblema selado nesse corpo.
O que os heróis querem é espelhar-se na admiração um do outro. Este “self” que nunca se entregou a ninguém, nem mesmo à mãe. Como não fora induzido ao amor pela mãe, não poderia amar mulher nenhuma.
MacCarry (136) vê o “complexo de Aquiles” como uma estrutura ontogenética que atravessa o destino do homem, como um aleijão, e com conseqüências políticas desastrosas . Porque política é essencialmente a questão de nossas relações com o outro. E o narcisismo, nesse campo, é corrupto e cínico.
A felicidade e o amor são sentimentos que aparecem de tempos em tempos devido a própria condição da natureza humana. Desde o nascimento saímos frustrados: inicia-se pelo parto (é o trauma do nascimento Rankeano), pois a maioria dos bebês no útero materno sente-se em um verdadeiro paraíso: não têm frio, calor, fome (alimentação é contínua), ruído, cansaço, manipulação desastrosa e dor (embora a criança possa reagir as ansiedades sofridas pela mãe); ao nascer, o feto passa por um estreito, a vagina, e vai encontrar um outro mundo, tal qual um terráqueo concentrando-se no Planeta Marte – tudo diferente, tudo frustrante! Como a criança, apesar de ter os núcleos hipotalâmicos do prazer em bom funcionamento (a criança em geral é alegre, diverte-se com os pequenos fatos e coisas simples) sofre a influência de uma educação que a obriga a tornar-se gregária, isto é, respeitar os desejos e as vontades dos outros, o que pode tornar-se frustrada e insatisfeita. Esta frustração daria mesmo infelicidade? O vagido seria mesmo sofrimento ou dor por expansão dos pulmões ou seria manifestação prazerosa de vida? O choro não seria a única maneira de comunicar-se? O bebê que não grita ou chora teria ego frágil (Homo Fragile).De qualquer maneira estas atividades primordiais da vida devem ser vencidas) sejam elas frustrantes ou não. Posteriormente, ai sim, certos tipos de frustrações formam as bases da teoria da origem de criminosos: frustrações durante os períodos de molde, para com a mãe, para com o pai para com a família e, finalmente, frustração para com a sociedade - é a chamada hipótese da frustração - agressão da aprendizagem social e da anomia dos conflitos de regras (115, p).
Um indivíduo com ego frágil (Homo Fragile) ao sair a rua e tendo qualquer contrariedade no trânsito, pode sentir-se descontente e frustrado; mas se o homem for normal, isto é possuir ego forte (Homo Erogenus), compreenderá que atitudes agressivas do povo são características de nossa sociedade e decorrentes de erros próprios de indivíduos ainda mal educados, visto termos muito dos nossos ancestrais agressivos, habitantes das cavernas (Homo Brutus) e isto sem falar nas revoluções e nas guerras produzidas por este homem dito "civilizado". O Homo Erogenus tendo este tipo de raciocínio poderá não sentir-se aborrecido. O indivíduo feliz é aquele que procura não se envolver com os conflitos da agitada cidade moderna. Não que deva aceitar tacitamente essas selvagerias. Não! Muito ao contrário, ele deve procurar dar todos os seus esforços em prol de corrigir os erros da sociedade; todavia, atuar dentro das suas possibilidades e sem se angustiar. Não se pode ser como o paranóico, que desgostoso com a guerra, com a revolução no exterior ou com as injustiças ou irreverências dos políticos, procura confabular processos mirabolantes para corrigir o mundo. O indivíduo amadurecido não aceita uma condição imprópria, seja ela qual a origem: política, social ou institucional, tal como a oposição sistemática. que sufoca todo o atrativo e cuidado existenciais, como sói ocorrer nas ditaduras extremadas; ele vai combatê-las com as armas que possui, mas não ficará angustiado diante de suas limitações. O fato de haver explodido uma revolução demonstra sempre falta de tato político, da parte dos governantes tanto como dos governados. O homem maduro jamais odeia os tiranos, mesmo quando são obrigados a combatê-os: aquele que tem ira não luta pela libertação do homem, porém apenas uma substituição de imagens. Kant (85) disse:
"que uma revolução poderá realizar a queda de um despotismo pessoa1ou da opressão ávida de lucros ou de domínios, porém nunca produzira a verdadeira reforma no modo de pensar; apenas novos preconceitos, assim como os velhos, servirão como contas para produzir as grandes massas destituídas de pensamento".
Hermann Hesse (68) disse:
"quanto a mim, não creio que exista um partido político ou religião que seja melhor do que as outras; evito com todo cuidado engajar-me publicamente num partido. Não o faço pelo gosto da comodidade. Faço-o por estar consciente, por estar certo de que a luta por partidos e por princípios situa-se num plano bem diverso daquele em que se baseiam minhas idéias e preocupações. Temos destinos que nos mesmos chamaremos o que a nós próprios convêm".
0 homem normal sente-se liberto. A verdade está sempre ligada a liberdade. Escravidão está subordinada a negação da verdade. 0 amor à verdade é o triunfo sobre o medo escravizador. 0 homem não deve almejar ser amo e senhor, mas aspirar em converter-se em homem livre. A submissão de outros traz sempre a própria submissão. Cristo era o protótipo do homem livre. Mussoline e Hitler eram exemplos de escravos do mundo, submetidos ao desejo de poder, percebendo apenas a vocação das massas para torna-los senhores absolutos, porém os servos e as massas de servos também derrubam os senhores ditadores; estes tanto são amados como são odiados; temos como exemplo o parricídio dos nossos ancestrais, os canibais, sentimento este até hoje persistente manifestado por conflitos inconscientes de revolta contra qualquer autoridade.Abenjaldun (ou IBN – KHALKDUN 1) dizia:
"Um povo subjugado começa a adorar os que o subjugam e a copiar seus vícios, como se fossem virtudes.
Os povos que desde sua primeira juventude viveram sob o controle absoluto de uma autoridade que se substitui à lei no ensino das artes, das ciências, da religião e, dos costumes, perdem seu caráter e não sabem resistir a opressão".
Liberdade é direito de ser homem em frente de qualquer homem; os que atentam contra esse direito vão contra a lei divina, pois como disse S. Paulo (24, a) "onde está o espírito do Senhor está a liberdade”. O homem deve viver para conquistar a liberdade por meio da verdade. 0 essencial é pois destruir a ignorância como o pior inimigo; depois é necessário, reconhecer a inutilidade de procurar reformar ou submeter-se pela violência o ser humano, tarefa própria de todas as tiranias e de todos os fanatismos, com seu cortejo de crueldade. Aquele indivíduo que não se conforma com a miséria dos países subdesenvolvidos, com certa forma de governo, com os preconceitos sociais etc. deve lutar para corrigir o que está errado, todavia, se ele se envolver demasiadamente com o problema, perturbando o seu estudo ou o seu trabalho ou sua vida familiar, é porque motivos inconscientes entraram em jogo; como por exemplo, a combatida forma de um governo poderá representar, inconscientemente, o combate a atitude despótica dos próprios pais ou então a fome por que passou quando criança (ex. em Biafra), poderá refletir um condicionamento de sua própria carência afetiva ocorrida na infância.
Gandhi (57) chamado de Mahatma (Grande Alma) "o apóstolo da não violência", dizia:
"A liberdade individual existe plenamente só em regime de amor autêntico (AHIMSÀ). A violência por parte das massas não acabará jamais com o mal, a verdadeira democracia, pode surgir somente pela não-violência. Um democrata nato é amante natural da disciplina, pois a democracia é para quem já esta habituado a obedecer espontaneamente a todas as leis, humanas ou divinas. As divergências de opinião não devem significar hostilidade, sempre procurei nutrir pelos que discordam de mim, o mesmo afeto que nutro pelos que me são mais queridos. Se não fosse assim, minha mulher e eu deveríamos ser inimigos fidagais"...
A liberdade não é fazer tudo o que se deseja, tal como o adolescente que abandona a família para sentir-se livre, usando o traje que o apraz ("hippy"); liberdade é saber respeitar o direito do outro, de discernir sobre o aconselhamento dos mais velhos. É como diz Khalil Gibran (58):
"O que é que quereis rejeitar para serdes livres, senão fragmentos de vos próprios? Se é uma lei injusta que pretendeis abolir, lembrai-vos de que esta lei foi escrita por vossa própria mão em vossa própria testa. E se um déspota que quereis destronar, verificai primeiro se seu trono erigido dentro de vos está destruído. Sereis, na verdade, livres, não quando vossos dias estiverem sem preocupação e vossas noites sem necessidade e sem aflição, mas, antes, quando essas coisas apertarem vossa vida e, entretanto, conseguires elevar-vos acima delas, desnudos e desatados”.
Somente é possível reformar o homem se conseguirmos reeducar-lhe o inconsciente e para isso temos que intervir no delicado processo de elaboração de idéias e dos sentimentos.
A felicidade e o sentimento de estar-se liberto, dependem, portanto, do bom desenvolvimento da personalidade, de maturidade espiritual com o concomitante conhecimento das fantasias inconscientes e de se ter um sentimento de liberdade externa, pois ela é uma forma superior de instinto de conservação - é o equilíbrio constante entre o homem e o meio ambiente.
Tanto pode ser feliz um grande líder político, porque nenhuma gloria é tão viva como manejar e modelar as massas humanas, como, objetivamente, também o modesto empregado; para isto será necessário que as suas personalidades tenham se expandido completamente e não haja conflitos inconscientes causadores de culpa.
O "homem medíocre" de Ingenieros (74) tem dificuldade em ser feliz, porque este tipo de homem nada inventa, nada cria, nada impulsiona, só sabe custodiar zelosamente a armação dos automatismos, dos preconceitos e dogmas acumulados durante séculos. Seu rancor contra os espíritos independentes e criadores, motivados pela sua inveja, é compensada pela acomodação. Ele é vulgar, transforma o amor à vida em pusilanimidade, a prudência em covardia, o orgulho em vaidade, o respeito em servilismo e se conduz à ostentação, à avareza, à falsidade, à avidez e à simulação. O "homem medíocre" que, porventura se aventura, tem apetites urgentes: o êxito. Ele não suspeita da existência de outra coisa que não o brilho do momento. O êxito é triunfo efêmero, a gloria é definitiva, perene. O êxito se mendiga, a gloria se conquista. Quem obtém privilégios sem aptidões, deve temer: fracassará a cada mudança de vento...
O homem sem grande elevação de inteligência, sem grandes ambições, mas quando chega a conseguir certa independência, posição social familiar bem constituída que o absorve e o satisfaz, pode julgar e confessar que atingiu uma maturidade e paz de espírito. Este indivíduo nestas condições me faz lembra Dom Quixote De la Mancha (154) aconselhando Sancho, quando este foi eleito governador:
"Se levares tua mulher contigo (porque não convêm que um governador fique longe de sua mulher), ensina-a, doutrina-a e educa-a, porque uma mulher rude e tola põe a perder a obra de um bom governador. E se acaso ficares viuvo, coisa que pode acontecer, e conseguires melhorar de mulher, não escolha dessas que servem de isca e de enfeite, que por isso poderás pagar caro.
Nunca te guies pela lei de astúcia, que costuma ter muita valia entre ignorantes que se julgam sabidos. Encontrem em ti mais compaixão as lágrimas dos pobres, mas não mais justiça que as informações dos ricos. Procura descobrir a verdade entre as promessas e dádivas dos ricos como entre os soluços e aflições dos pobres. Quando puderes usar de equidade, não esmagues o delinqüente com todo o rigor da lei, pois não é melhor a fama do juiz rigoroso que a do juiz compassivo.
Se por acaso dobrares a vara da justiça, não seja pelo peso do suborno mas pelo da misericórdia.
Quando tiveres de julgar algum inimigo afasta de tua mente as injúrias e pensa só na verdade. Não te cegue a paixão própria da causa alheia, pois os erros que cometeres, as mais das vezes serão sem remédio, e se remédio houver será à custa de teu critério e até do teu bom senso.
Se alguma bela mulher te vier pedir justiça, afasta os olhos de suas lágrimas e os ouvidos de seus gemidos e considera serenamente a substância do que pede, se não queres que tua razão se perca em seu pranto e tua bondade em seus suspiros. Ao que tens de castigar com obras, não trates mal com palavras”.
Os indivíduos dotados de grande inteligência, de ambição, de intensa atividade hipomaníaca, tem necessidade de maior campo de ação para que as suas personalidades possam se expandir completamente; eles, para as satisfações pessoais necessitam dedicar-se à ciência, à criação intelectual, ao êxito de suas atividades e, culminam com a dedicação à política e a atos humanitários; freqüentemente, estes indivíduos tendo facetas paranóide e egocêntrica, sacrificam a própria família para o deleite de suas vaidades pessoais e acabam infelizes no amadurecer dos anos, quando precisam do verdadeiro amor oriundo quase sempre dos familiares. Neste caso, quando o indivíduo começa a "sentir-se, a observar-se melhor, é raro que não acabe por julgar-se infeliz, pois as culpas causadas pelas fantasias inconscientes, principalmente a agressividade aos pais e irmãos, na infância, persistem até a senectude. Depois que esse indivíduo deixar de utilizar o trabalho e as conquistas sociais, no sentido de fugir do próprio conflito inconsciente, aí é que ele voltará para si mesmo e irá descobrir que nada fez para a sua própria família; os seus entes, que deveriam ser os mais queridos, não o foram; esse indivíduo extravasou neles as próprias frustrações que muitas vezes não puderam ser descarregadas no trabalho ou na sociedade.
Ingmar Bergman no filme “Morangos Silvestres” retrata de maneira fidedigna a vida de um médico que indo receber titulo honorífico na Universidade Sueca, acaba recordando sua vida, afetuosa para os clientes e vazia para a sua família; nesse momento, ficou cônscio de sua infelicidade (examina a tua casa e verás quão exíguos são seus bens...).
Para se conseguir a felicidade, precisamos ter boa vontade, mas para esta condição é indispensável também conhecer o nosso inconsciente, principalmente as fantasias agressivas e invejosas, causadoras de sentimentos culposos e que perturbam o nosso comportamento frente a outrem.
Kant (85) já dizia:
"Neste mundo é impossível pensar em algo que possa ser considerado como bom sem limitação, a não ser uma coisa: a boa vontade. Discernimento, agudeza de espirito, acuidade de julgamento e como quer que designemos os demais talentos do espirito ou as qualidades de temperamento, como coragem, decisão, constância, são sem dúvida coisas boas e desejáveis; mas também podem tornar-se extremamente más e prejudiciais se a vontade de fazer uso destes dons naturais que se chama "caráter", não for boa.
O mesmo acontece com os dons da fortuna. Poder, riqueza, honra, mesmo a saúde e todo o bem-estar resultante da sorte que se conjugam sob o nome de “felicidade”, produzem um ânimo que muitas vezes desanda em soberba, se não existir a boa vontade que corrija a influência destas cargas sobre a alma. Isto sem mencionar o fato de que um espectador razoável e imparcial, diante da prosperidade excessiva de outrem, a quem não adorna nenhum traço de uma pura vontade, nunca poderá usufruir verdadeira satisfação. Por isso os prósperos e bem-aventurados invejam mais do que desprezam os seres de condição inferior, porque julgam que estes não possuam os conflitos que eles apresentam”.
É possível que esta soberba se processe em certos indivíduos de cor branca, portanto de preconceitos raciais; eles invejariam os negros por pensarem que estes estejam libertos em sua sexualidade, e, inconscientemente, por identificação projetiva, combaterem nos negros os próprios sentimentos denegridos. ( a cor preta tem, em geral símbolismo de coisa suja).
Continua Kant (85).
"Ainda mesmo que por um desfavor especial do destino ou por artes de uma natureza madrasta (a nosso ver, por conflitos inconscientes) faltasse totalmente, o poder de fazer vencer suas intenções e só restasse a boa vontade, ficaria ela brilhando por si mesma como uma jóia".
O grande filósofo taoista Lin Yutang (180) nos deu a famosa parábola do “Velho do Forte”:
“Um Velho vivia com seu Filho em uma fonte abandonada, ao alto de um monte, e um dia perdeu um cavalo. Os vizinhos vieram-lhe expressar seu pesar por esse infortúnio, e o Velho perguntou:
Como sabeis que é má sorte?
Poucos dias depois, voltou o seu cavalo com um bando de cavalos selvagens, e vieram os vizinhos felicita-lo por sua boa sorte, e o Velho respondeu:
Como sabeis que é boa sorte?
Com tantas montarias ao seu alcance, começou o Filho a cavalgá-los e num dia quebrou a perna. Vieram novamente os vizinhos apresentar-lhes condolências, e o Velho respondeu:
Como sabem que é má sorte?
No ano seguinte houve uma guerra, e como o Filho do Velho era agora inválido não teve que ir para a frente".
Evidentemente essa filosofia permite o indivíduo suportar uns tantos golpes duros da vida, na crença de que não há golpe que não tenha as suas vantagens. Como as medalhas têm reversos. Julgo que somente a morte de uma pessoa amada, não tem remédio; somente o tempo ajudará a elaborar o luto, como ocorreu com a trágica morte de meu filho em pleno esplendor dos seus 23 anos; a cicatriz é perene.
Contudo, apesar dos pesares, uma filosofia da vida como este Velho do Forte é deveras útil. Todavia, o indivíduo necessita de uma vontade que não seja apenas "boa" como meio para outras intenções, mas uma vontade "boa em si mesma", que não haja fantasia inconsciente agressiva ou invejosa, que possa perturbar um desiderato.
A boa vontade parece constituir a condição indispensável para o próprio fato de sermos dignos da felicidade.
Sem moralidade não há felicidade possível. É certo que há sentimentos agradáveis mesmo sem moralidade e até contra ela. Mas esses sentimentos não integram a felicidade e, em geral, até conflitam com ela.
O homem existe para ser moralmente melhor, tornar-se cada vez mais feliz, porque a felicidade se difunde na circunstância em que se encontra. Este é o destino do homem, considerado como indivíduo, isto é fora de toda relação com os demais seres racionais, seus semelhantes.
Da busca da verdade e da criação da beleza devem-se fundir como objetivo para a conquista da felicidade. É como diz Dante (49).
"Nossa vida na terra é sempre um inferno até que a sabedoria nos purgue dos maus desejos e o amor nos erga à felicidade e à paz". E o mesmo Dante (49) fala da visão interior: “E o que vi, então na imensidade, ultrapassou quanto a palavra humana possa exprimir e quanto a memória possa gravar. Como o homem que, a sonhar vê claramente, depois só guarda a sensação impressa em seu espírito, sem que nada mais lhe volte à mente, assim foi para mim, quando cessou a visão sublime! E em meu coração permaneceu apenas a alegria causada por essa contemplação”.
“Tu, a abundante graça me animando, ousei fixar com meus olhos a luz eterna, a ponto de nisso consumir a minha vista. E lá na profundeza, vi que está contido, unido pelo Amor, num só volume, tudo que o universo encerra.
Ó luz eterna, que em ti somente habitas, somente tu te compreendes a ti mesma, e, compreendendo-te, te amas e sorris. Como o geômetra que o espírito crucia, procurando em vão um apoio, para medir seu circulo incircunscrito, assim estava eu diante dessa visão tão nova, procurando ver como a imagem humana pode inserir-se nesse circulo e descreve-lo. Para mim isso seria empresa insana, se não me houvesses clareado a mente, com teu fulgor, que dá posse da verdade".
“Espera de teu filho o mesmo que fizestes a teu pai”. (Tales de Mileto) (17).
O homem, em sua evolução na escala zoológica, através das mutações, houve o desenvolvimento do lobo pré-frontal e zonas correlatas, tornando-se imputável; com a aquisição desta nova função, a responsabilidade, tornou-se capacitado para sentir culpa (identificou-se com os pais e autoridades) através do aparecimento do superego.
O primeiro homem, a sofrer a mutação do cérebro pré-frontal, principalmente, com a formação do superego, é representado, simbolicamente, por Adão, isto é, o primeiro Hominidae a ter superego. Diante desta nova função cerebral o homem ficou responsável pelos seus atos. A sua censura interna impediu-o de devorar o seio materno, representado simbolicamente pela maçã "fruto formoso e agradável à vista da "arvore do bem e do mal", produto de sua nova atividade mental, a elaboração de fantasias inconscientes, fantasias encontradiças em toda a criança normal. É o primeiro grave crime justificando a dura pena aplicada aos pecadores - expulsão do paraíso. Segundo Nabantino Ramos (97) já no código de Hammurabi há 4 mil anos denotava-se a preocupação com o seio materno (art, 157): "Sé um homem, à semelhança de seu pai, deitar-se nos seios de sua mãe, ambos (filho e mãe ) devem ser queimados", mostrando a existência da primeira punição por se ter complexo de Édipo.
Devereux (apud Rascovsky) (131) foi o primeiro autor que abordou os impulsos filicidas salientando a falta de interesse da literatura psicanalítica pelos problemas dos impulsos canibalísticos dos adultos. Esse autor procurou demonstrar, com base em dados históricos e etnológicos que os impulsos canibalísticos infantis não são primários ( o que não estamos de acordo) mas constituem em reações contra os impulsos canibalísticos dos pais. Esta falta de interesse por parte da literatura psicanalítica "não é fortuita, mas representa uma escotomização psicológica e culturalmente determinada pelo importante problema".
Foi com o estudo profundo de Rascovsky (131) que se valorizou a importância do caráter filicida na origem de males sociais e dos distúrbios de comportamento do indivíduo e, finalmente, chamou a atenção para o número elevado de assassinatos dos filhos, embora não publicados em revistas médicas ou jurídicas talvez por escrúpulo ou por mecanismos inconscientes de defesa.
O ato filicida, propriamente dito, no Brasil, vamos encontrar em poucos trabalhos e em noticiários de jornais.
Em outros países o fenômeno é o mesmo sendo que a estatística é estarrecedora, como vimos no intróito de trabalho já publicado (115, f) .
Pode-se observar pela origem das religiões (judaica, cristã e outras seitas) que a humanidade carrega ainda dentro de si elaborações secundárias de fantasias inconscientes decorrentes do aumento do instinto de morte oriundo dos nossos antepassados, homens das cavernas. Apesar de leis morais bem formuladas e do progresso da civilização, as revoluções e as guerras ainda continuam. Já chamamos a atenção, em trabalho anterior (115, g) da importância dos componentes psicológicos ainda não suficientemente valorizados como causas coadjuvantes do desencadeamento de revoluções e guerras. Rascovsky (131) salienta a guerra como fenômeno social em que a imolação dos filhos se destaca com maior notoriedade. A guerra constitui um homicídio organizado e tornado licito assim como infanticídio deferido, haja vista o nome "infantaria" (de infante) constituída de jovens, é a arma mais sacrificada. Vários hinos nacionais da América Latina identificam a morte com gloria; a "Marselheza" tem a sua origem no "canto de guerra pra o exército do Reno cujas estrofes dizem: conduzir o adolescente em direção ao campo de batalha para nele morrer enganado...
Rascovsky (131) chama também a atenção do filicídio atenuado, denominação especial para as atitudes de forma mais atenuadas de agressões (que não o assassinato) constantemente reiterada contra os filhos e encontrada em todas as organizações familiares.
A mortificação dos filhos, já está evidenciada, embora em forma atenuada, pela circuncisão praticada pelos judeus, como também pelo castigo corporal, pela proibição, pelas ameaças pelas crueldades, pelas negações despóticas pelos julgamentos desfavoráveis (mensagens bruxas) (115, h) (ver adiante: mensagem anti-bruxa e período de molde) todas estas atitudes imprimem como ferida no ego infantil.
O filicídio atenuado, é portanto, muito mais freqüente do que se pensa e o seu estudo é de suma importância. Para o leigo é difícil entender a existência da agressividade tão intensa dos pais para com os filhos, porém para os psicanalistas, que penetram nos sentimentos mais profundos de cada ser, essa predominância do instinto de morte não surpreende. Os pais em contato diário com os filhos, gritam, vituperam, ameaçam, castigam e agridem fisicamente, causando traumas psicológicos por vezes indeleveis para o resto da existência. O leigo esquece que o abandono, indiferença, preferência por outro filho, humilhação e injustiça ou superprotecão, "sufocar de atenção", "intujar alimentos" (supercompensações de culpa inconsciente por agressividade) causam tanto mal como o espancamento; este é um dos motivos que nos levaram a denominar "Síndrome da criança seviciada", por acharmos que o trauma psíquico tem tanta importância como as agressões físicas. (115, f).
Os pais tem o direito de administrar punição razoável e oportunas, se necessário for, para corrigir faltas na educação dos filhos, enfim devem ser enérgicos, firmes mas com bondade, porém não devem agredir fisicamente com raiva, embora isso freqüentemente, aconteça, pois os pais são humanos, e como humanos, são susceptiveis de descontrole. Contudo, espancar uma criança repetidas vezes é patológico e como tal deve ser tratado.
O síndrome da criança seviciada é, portanto, conseqüência da personalidade mórbida de um dos pais - filicídio em potencial.
De tempos em tempos, o homem das cavernas reclama, portanto, a nossa atenção. Com feroz imbecilidade e desesperante calma, comete espantosas atrocidades. Não faltam exemplares desse homem entre os contemporâneos que - por seus raciocínios, hábitos e gostos - dão, a impressão de se acharem incrustados na Idade Média; discorrem eles sobre os senhores e vassalos, falam em queimar herejes, em esmagar a plebe a ferro e fogo, afirmam a existência de bruxos e advinhos e - negócio e lucro - tem a exploração de seus semelhantes. Depois, há indivíduos que ancoraram seu barco há um século atrás e neles se aferram enquanto as águas correm; não atentam em transformações; não as aceitam e - por quanto signifique novidade e evolução - nutrem o mais completo desprezo - são os que têm medo do Messias; todo aquele que com as novidades de ensinamento, trazem nova verdade e toda a mudança do "status", abala o comodismo e causa medo e até pânico.
"A palavra demônio, fantasma, céu, são denominações vãs, encantações frágeis, fórmulas mágicas, que não podem explicar tudo que contem o universo; dúvida, acaso, mutabilidade...
Somente espírito da beleza, como esplendor que cobre as coisas do universo, somente tua luz infunde graça e verdade ao sonho inquieto da vida", no dizer de Scheler (146)
Emerson (50) filosofo americano, retrata muito bem o conservantismo, alcunhando-o de negativo para o desenvolvimento político de uma nação, como também para o progresso das ciências; ao contrário, as reforma são em, geral, positivas. O conservantismo repousa nas limitadas possibilidades do homem e as reformas, ao contrário, tem indisputável capacidade criativa, para as quais se necessita coragem, confiança, firmeza ao lado de atitude comedida.
Um misântropo sentimental engradou o seguinte aforismo que muitas vezes se repete maquinalmente: "Quando mais conheço os homens, mais gosto do meu cão". Lorenz (167) afirma o inverso: quem conhece verdadeiramente os animais, inclusive os animais superiores, os que nos são próximos, e possui uma certa compreensão de evolução filogenética, é por isso mesmo capaz de compreender plenamente o caráter único do homem; somos o cume daquilo que os construtores da evolução atingiram até agora na terra; somos o seu "ultimo grito", embora não seja-nos a sua última palavra. O homem é o inigualável coroamento da criação, ele é para um cientista, a mais arrogante e indefensável de todas as doutrinas. Se o indivíduo acreditasse que o homem é a imagem definitiva de Deus, desesperar-se-ia de Deus. A partir de nós, seremos humanos, poder-se-ia devolver um ser melhor e superior".
Por que é que seres dotados de razão se comportam de maneira tão irracional?
Hegel (63) disse: "O que a experiência e a história nos ensina é que nem o povo nem os governos aprenderam algum dia o que quer que fosse com a história ou agiriam segundo os princípios deduzidos dá história".
Todos estes espantosos paradoxos se explicam no entanto facilmente, nos seus lugares com as peças de um "puzzle", logo que o seu comportamento social, longe de ser unicamente determinado pela razão e pelas tradições culturais, teme ainda de submeter-se a todas as leis predominantes no comportamento instintivo adaptado pela filogênese. Conhecemos suficientemente essas leis graças ao estudo dos instintos nos animais. (27) (115, a)
De pouco servem todas as "Tomadas de Bastilhas" enquanto permanecerem de pé as torres de marfim que encerram o orgulho e a soberba e de onde esquece o homem e o divino é apiedar-se dos que estão por terra e ajudá-los a erguerem-se. Goethe (59 ) já dizia:
"A lição política hoje é de que a força tem a razão. A história e o tribunal do mundo - e esse tribunal sempre se decidiu em favor dos mais fortes da vida mais segura de si, mais completa, mais cheia. Sempre sacrificou a verdade e a justiça ao poder e a raça e condenou a morte homens e povos para quem a verdade valia mais que os feitos, e a justiça que o poder. O homem de ação e sempre inconsciente, ninguém, tem, consciência afora o espectador. No mundo histórico não há idéias, há fatos; não há verdade, mas simplesmente fatos; não há razão, nem equidade, nem honestidade, nem objetivo final, mas fatos; e quem não compreende isto poderá escrever sobre política - mas não poderá fazer política. A relação natural entre os povos é de guerra, paz é simples tomar fôlego na torrente de vitórias e derrotas e a política doméstica só existe para que a política exterior se torne possível".
O humanitarismo será uma realidade quando o homem – que já venceu outras feras - triunfe sobre a que tem dentro de si mesmo; e essa fera que o envilece e atormenta e, de quando em quando, o faz regressar à animalidade e à selvageria - o Homo-Brutus.
É como diz Gibran (58):
“Mas Vosso eu divino não reside sozinho no vosso ser. Em vós, muito é ainda do homem, e muito não é ainda do homem mas amenas de um pigmeu informe que vagueia sonâmbulo nas brumas, a procura do seu próprio despertar. Porque é ele, e não o Vosso Eu-divino, o pigmeu que vagueia nas brumas, quem conhece o crime e o castigo do crime”.
McLuhan (109, a) o "filosofo da comunicação", com o seu "massagens" e com a sua "técnica do absurdo" nos dá um terrível aviso a cada um de nós a respeito de nossa ambivalência (sobrevivência-auto-destruição), oculta na urdidura social que hoje se alicerça na comunicação instantânea do mundo eletrônico. Diz Martins no prefácio do livro de MacLuhan e Watson (109, b): " a sociedade de consumo cria um ser humano de tal maneira filho da mitologia eletrônica, que passa a uma grotesca demonstração dos reflexos paulovianos. Age e reage sem perceber os cordões que o fazem polichinelo.
McLuhan mostra o porque as máquinas obsoletas se tornaram objetos de arte. Pergunta: mas não se faz há muito o abajur com o moedor de café? Faz-se isso e muito mais, mas, por que o agridoce sentimento nostálgico ante a “Maria-fumaça”, o barco à vela, a carruagem à cavalo? Porque são o anti-ambiente de hoje”?
Das mais lúcidas apreensões sócio-históricas de McLuhan (109, a) é a que indica o seguinte: antes da idade elétrica, a vida se pautava pelas regras que uma geração levava a outra. Havia roteiro, código, começo, fim e tradição que levam certa estabilidade emocional coletiva refletida na tranqüilidade relativa sócio-política. Na idade da eletricidade, não há regras porque as mudanças além de súbitas, são cada vez mais freqüentes. Não há roteiro, começo ou fim. Em lugar de se aprenderem regras, tem-se que descobrir conexões. O homem do século elétrico voltou a ser caçador, não de animais, mas das forças misteriosas que o conduzem e que ele quer dominar.
A nosso ver, uma das forças misteriosas a serem descobertas é a fantasia inconsciente causadora de sentimentos conflitantes e culposos. Não adianta sermos Homo Sapiens sem antes conhecermos o Homo Mythicus ou Phantasiosus dentro de nós mesmos.
Uma das primeiras atitudes do Homo Brutus depois que ele sofreu o impacto da evolução na escala zoológica com o aparecimento de sua capacidade de imputação (superego), decorrente da mutação de seu cérebro (maior desenvolvimento do cérebro pré-frontal, conecções dendríticas, bioquímicas e sistema reticular) foi a de agir sem pensar, ainda, resquício de sua animalidade hostil perfeitamente compreensível, pois o Homo Sapiens é muito jovem em relações as outras espécies iniciais, não pode ainda governar forças instintivas tão antigas. O ego é frágil demais para conter o impacto do instinto; este sim, é velho, bilhões de anos....
O agir sem pensar é o domínio do elemento-beta (sem passar pelo crivo da consciência ou função alfa) (23) que produz a conduta impulsiva de assassinar o seu irmão.
Para conhecermos esta atitude do Homo Brutus devemos nos reportar para a Bíblia Sagrada. (21)
Sob o ponto de vista psicanalítico, é bem possível que Adão tenha sido expulso do paraíso por ter comido a maçã, isto é, por fantasiar devorar o seio materno ou por ter tido relação sexual incestuosa, mas também por não estar ainda amadurecido para constituir família. Havia nele muito do Homo Brutus cheio de instinto de morte, destruindo-se por desobediência divina. Todavia, a nosso ver, o processo é mais complexo. Pensamos que o indivíduo tenha nascido com inveja (inveja inata) da ligação do pai com a mãe (toda a criança, principalmente aos 2 anos, vendo o pai na cama com a mãe, irá deitar no meio, separando-os) acarretando para ele sentimentos de culpa, por ter esta fantasia de separá-los. Aliás Kafka (84) refere: "há dois pecados humanos capitais dos quais todos os outros decorrem: a impaciência e a preguiça. Por causa de sua impaciência foi o homem expulso do paraíso. Por causa de sua preguiça não retornou a ele”. O nosso ponto de vista – é por causa da inveja da combinação dos pais, julga que estão se destruindo no coito, isto é, canibalismo. O indivíduo impaciente, sem tolerância, portador de síndrome do núcleo amidalóide (indivíduo impulsivo-agressivo e com alteração elétrica no lobo temporal) (115,n) tem dificuldade de aprender o jogo de bem viver em comum. A coisa mais importante do mundo é a possibilidade de ser- com - o - outro, na harmonia, tranqüila e sincera mutualidade de afeto, como referiu Medard Boss (28).
O começo da sabedoria é ser tolerante, saber perder, aceitar que a derrota, também faz parte do jogo da vida. Quando o indivíduo consegue aceitar, com humildade, as regras do jogo existencial, a vida torna-se mais agradável.
Todavia, existe muito do homem primitivo (homem impulsivo) dentro de nós; esse Homo Brutus não ainda completado a sua evolução, havia muito resquício de animalidade irracional, quando teve o seu encontro com Eva.
Outrossim, é bem possível que o hominídeo Cro-Magnon tinha mais ou menos os mesmos instintos e as mesmas tendências naturais que nós.
Não esperemos que o homem seja perfeito para ser feliz, nem que faça a exerege de todos os objetos maus internalizados; não é necessário; o tão decantado símbolo da paz e da bondade, a pomba, é ambivalente; ela não se sente travada por qualquer inibição por torturar uma das suas irmãs até a morte...
Com o desenvolvimento do cérebro pré-frontal e sistema reticular e subsequente formação do superego, podemos afirmar, que o primeiro assassino já compreendeu a enormidade do seu ato; tal é o caso de Caim que após sua impulsividade agressiva (talvez uma síndrome do núcleo amidalóide do hipocampo), deve ter tido uma tomada de consciência dessa conseqüência e, portanto, capacidade de sentir uma forma primitiva de responsabilidade. Hoje em dia, para os indivíduos com as síndromes do núcleo amidalóide ou do desumano (resistentes) ou com psicopatia, tem-se usado com êxito a operação cerebral especifica (amidalotomia bilateral do hipocampo com striae-terminalotomia) (115, n).
No Gênesis (24, c) diz: "Caim falou a Abel; " então Caim levantou-se contra o irmão e o matou". Não houve diálogo, não houve tempo para pensar; houve sim, impaciência, tão comum nos indivíduos impulsivos agressivos com síndrome do núcleo amidalóide; concepção bioniana, o elemento-beta passou sem o crivo da função, alfa, houve a ação abrupta do núcleo amidalóide, predominando a forma impulsiva de agressão característica do Homo Brutus. Pascal (123) disse: "que o homem tem às vezes duas coisas: o anjo e a besta, é que sem compreender a ambos não se pode saber bem que é o homem".
Oscar Wilde (137) refere esta condição em lindo verso:
"E que não haja ninguém que ignore:
Todos os homens matam o que mais amam:
Com a mirada de ódio mata uns,
outros com frases enganosas matam,
o covarde o faz com um beijo
o bravo com a espada".
A agressividade destrutiva está intimamente ligada ao instinto de morte e este com conceito de diabo. O indivíduo "endiabrado" está dominado nela Tanatismo (115,T).
Os psicanalistas acentuam o aspecto edípico do diabo, "figura combinada" (pai + mãe + Deus + diabo, este representada pela inveja); combinação ambivalente de emulação e hostilidade contra o pai no diabo, e a identidade de Deus e do diabo (como pais sucedâneos), subjacentes do seu antagonismo. Não se deu ênfase bastante ao caráter persistentemente anal do diabo. A cor por excelência, associada com o diabo (a Missa Negra) é o preto - não devido o seu lugar de morada (explicação circular), mas devida a associação do preto e imundo; pintam o diabo de preto e imundo, com cheiro sulfuroso (De crepitu Diaboli). 0 clímax do ritual do Sabbath das Bruxas era beijar os traseiros do diabo ou uma mascara facial atada no seu traseiro. Na cerimônia principal da Missa Negra, enquanto a Rainha do Sabbath ficava encurvada "a sagrada hóstia era preparada amassando em suas nádegas uma mistura do mais repulsivo material (fezes, sangue menstrual, urina e restos variados). Daí ter Dante feito o ânus de Satã o eixo ôco do mundo que gira, através do qual sobe ao Purgatório; dai ter Bosch, no painel em que pinta o mundo como o inferno, entronizado satã numa privada, da qual as almas saindo do seu ânus caem no fosso negro. Todo este cerimonial é devido ao aumento do instinto de morte levando ao sadismo e ao masoquismo. (115, T)
Diz Lorenz (107): "A necessidade de controlar por uma sábia responsabilidade moral todas as adesões sentimentais é tão grande, senão maior, como a necessidade de anular as nossas outras pulsões. Nenhuma delas produz efeito tão devastador como o entusiasmo militante não jugulado quando contamina as multidões e domina qualquer outra consideração, devido à sua estreiteza de vistas e às suas pretensões de nobreza". Tal como sói ocorrer com o enforcamento ou o linchamento de um inocente por uma multidão (o superego individual perde sua característica de censura diante do superego coletivo). "É perigoso atiçar com sangue a sede dos deuses", disse Anatole France (54). Porque não é o entusiasmo em si que é nobre, são os grandes fins da humanidade que ele pode ser levado a defender. É essa dupla face de Janus que o homem tem: único ser capaz de se consagrar aos mais altos valores morais e éticos, precisa, para atingir os seus fins, de um mecanismo de comportamento filogeneticamente adaptado; mas as propriedades animais desse mecanismo trazem em si o perigo de que ele mate o seu irmão convencido de agir assim no interesse desses mesmos altos valores. Ecce homo! ... (como quis conceitua-lo Nietszche (119).
Segundo Baruch Spinoza, em sua Ética (164), os homens são diversos (pois são raros os que vivem sob os preceitos da razão) e, apesar de tudo, a maior parte deles se torna invejosa e mais inclinada à vingança que a misericórdia. Assim, pois, para suportar a cada um segundo seu caráter e abster-se de imitar suas paixões, é preciso um singular poder do espírito. Os que se dedicam a censurar os homens e reprovar seus vícios mais do que a ensinar-lhes a virtudes e abater os animas em vez de fortalecê-los, são insuportáveis a si mesmos e aos demais. Como conseqüência muitos, por uma excessiva impaciência do espírito e por um falso zelo religioso, preferiram viver entre brutos antes que entre homens.
Tudo que se refere a justiça, a equidade e a honestidade produz concórdia. Os homens com efeito, dificilmente suportam injustiças e iniquidade, quando elas são consideradas desonestas ou desrespeitosas aos costumes estabelecidos na sociedade. Para conciliar o amor entre os homens, é necessário, antes de tudo, atender às exigências da religião e da moralidade.
A concórdia muitas vezes a obtida pela imposição do temor mas então não ha boa fé. Observe-se que o temor nasce da impotência do espírito e não se inclui, portanto entre as vigências da razão. Outrossim, comiseração não resulta da razão, apesar de suas aparências de moralidade.
Outra coisa que produz a concórdia, a paz na sociedade, é a bajulação, que é um vergonhoso delito de servidão e perfídia. Ninguém é melhor presa da bajulação do que o soberbo, que quer ser o primeiro e não o é.
É por causa da liberdade da mente que o sábio é mais poderoso do que o ignorante.
Ao mostrar o poder da mente sobre as paixões - o medo, a tristeza, a bajulação, a vergonha, o desprezo, a submissão - ha de concluir-se que só a liberdade produz a verdadeira paz e conciliação na sociedade dos homens. Qualquer outra que traga segurança, que não seja gerada pela liberdade, será uma falsa paz e uma falsa segurança.
Os sentimentos de culpa por fantasias inconscientes levam o indivíduo a se castigar através de inúmeras formas de tanatismo; todavia, ele tenta escolher um mal menor. O que ele quer é fugir da culpa produtora de depressão ou ansiedade, motivo pelo qual escolhe situações externas ou internas para sofrer um castigo menor. Primeiro caso: em certas situações externas, o indivíduo fracassa no convívio familiar pela desobediência, insolência, teimosia, urdiduras, etc., fracassa nos estudos, fracassa no amor e com a namorada ou no matrimônio, fracassa na educação dos filhos, fracassa nos negócios etc. Segundo caso: diante de conflitos internos, os neuróticos, por culpas conscientes e inconscientes, elegem um órgão para se castigar - seria outro "mal menor" - temos como exemplo: os fumantes, os quais não desconhecem o perigo da nicotina e do alcatrão para a saúde pulmonar, coadjuvante para o aparecimento do câncer das vias - respiratórias; os portadores de bronquites crônicas (maus catarros) pelos quais utilizam a expectoração para “botar para fora” os maus sentimentos inconscientes (fantasias agressivas aos pais, irmãos etc.) principalmente quando existem preconcepções à respeito da facilidade em adquirir tuberculose pelos membros da família (criam-se um ambiente propício às doenças pulmonares pela má influência familiar); obesidade, diabetes melitus e infarto do miocárdio, cuja fuga do regime é sintoma de auto-destruição pois o paciente sabe que vai sofrer e não consegue se controlar; o seu instinto de morte é superior a sua força de vontade; as neuroses histéricas de conversão que, no símbolismo de um órgão, elege-o para desempenhar um papel especial de auto-piedade ou de menor sofrimento ou, então, de grande dor estando na dependência do menor ou maior sentimento culposo; estas conversões histéricas são até úteis, como por exemplo a paraplegia histérica, utilizada inconscientemente para evitar males maiores (situação conflitivas familiares ou sociais); contudo, estas conversões podem tornar-se irreversíveis como sói ocorrer com certas formas de hipertiroidismo exoftálmico, reumatismo acabando em artrose, etc. O sacrifício de um órgão se faz para salvar à vida de um indivíduo; o sintoma histérico se desenvolve para salvar a vida de um órgão; todavia, nem sempre assim ocorre.(26,a)
Muitos ginecologistas e psicanalistas (115, c) observaram de gestação em pessoas ditas estéreis, após o primeiro exame ginecológico. Em um sentido analítico poderemos dizer: o ginecologista faria o papel de um pai ou mãe boa, perdoando a paciente e permitindo a gravidez. A mulher poderá engravidar se o coito for praticado enquanto ela dorme. Como também, aconselhamos sempre a orientação psiquiátrica, pois em 25 estéreis, 17 tinham fantasias para a esterilidade e 35% conseguiram engravidar. As mulheres estéreis são muito dependentes da mãe. Pudemos constatar 5 casos de mulheres estéreis que engravidaram após a adoção; parece tratar-se de um problema psicológico inconsciente: “Já tenho um filho que não me destruiu como havia fantasiado, agora não tenho mais medo, posso ter o meu próprio filho”. Na Alemanha, há muitos anos, Anselmino publicou um caso de gravidez conseguida após uma esterilidade não tratada e de longa duração e Bardenheur escreveu sobre “O tratamento da esterilidade é também um problema psíquico” e foram solucionados vários casos de esterilidade por intermédio da psicanálise. Dos nossos casos observados, 17 mulheres estéreis, 7 conseguiram engravidar após a psicoterapia analítica.Utilizando em sentido tropológico a poesia de Guilherme de Almeida, “As lágrimas” para explicar o infarto do miocárdio:
“Quando uma nuvem nômada destila
gotas, roçando a crista azul da serra,
umas brincam na relva; outras, tranqüila,
serenamente, embrenham-se na terra.E a gente fala da gotinha que erra
mas nem se lembra do que o solo encerra,
do que ficou no coração da argila.
Quanta gente, que zomba do desgosto
mudo, da angústia que nos molha o rosto
e que não tomba em gotas pelo chão,havia de chorar, se adivinhasse
que há lágrimas que correm pela face,
e outras que rolam pelo coração!”.
Segundo Ingenieros (74) “o êxito é o maior lubrificante do coração; é o malogro o seu mais causticante corrosivo”.
Uma vez, diminuídos estes conflitos inconscientes, pois "sublata causa tollitur effectus" (tire a causa que desaparece o efeito) o indivíduo torna-se capaz de ser autêntico.
Tive um paciente que ao entrar para a grupoterapia era uma verdadeira máscara social pois diante dos conhecidos sabia rir e ser alegre, sempre contando anedotas; toda esta atitude era para super-compensar uma grande tristeza interna. Ele mesmo dizia: sou o "ridipagliacci” alegre por fora e triste por dentro. Ao se despedir após longo tratamento de psicoterapia analítica de grupo, disse: "ao despedir-me vou contar-lhe duas piadas: elas definem a minha evolução aqui dentro. A primeira delas serve para quando aqui eu comecei: em um país de um ditador, três mercenários estrangeiros foram condenados à forca: o primeiro, ao subir ao cadafalso, blasfemava contra Deus e contra todos, e, o carrasco, ao ligar a guilhotina, esta falhou; o capitão, surpreso, achando um milagre, absorveu o réu. O segundo, ia ao patíbulo pedindo clemência ao capitão, à Deus e à todos; novamente a guilhotina não funcionou e o capitão acabou, também, por perdoâ-lo. Finalmente, chegou a vez do terceiro, que ao dirigir-se para o cadafalso, parou e exclamou: "descobri o defeito"... Eu era. assim, dominado pelo instinto de morte vivia me destruindo, por todos os meios. Hoje, eu sou diferente e até otimista, deixo a vocês uma mensagem através de outra piada: " um velho e muito considerado estava sofrendo de forte angústia, pior que a de fulano, quase que nem podia respirar... Todos os velhos amigos estavam com muito dó dele e foram ao Santo Padre para pedir que ajudasse o pobre coitado. O Papa disse que faria o que pudesse, pedindo que dormisse perto de seus aposentos. Durante a noite o Cardeal, ansiosissimo, levantou e foi pedir-lhe socorro. O Santo Padre prontificou-se dizendo: “fale tudo meu filho, só eu poderei ajuda-lo. O cardeal disse: “tive relação sexual”. Papa “com quem”. Cardeal: “com uma freira” Papa “ainda bem que não foi com um homem ...”
Inúmeras vezes os órgãos expressão os pensamentos. Em Bion (23) exemplificaremos um exemplo do poeta Donne "o sangue falou na face dela... como se seu corpo pensasse"; esse analista mostra a linha de separação dos elementos beta (que não se pensa) do alfa (pensamento). Todavia essa mulher citada por Donne não teve tempo de pensar-pensamentos, somente sentiu e expressou o seu desejo sexual pelo fogacho, sem passar pelo crivo da censura; neste caso, expressou-se pela função do corpo (através da substância química). Na menopausa a mulher normal não apresenta sintomas da síndrome do climatério, fogacho, sudorese, irritação, etc.
A esperança do equilíbrio mental desejado talvez esteja não na posse de maiores recursos científicos e tecnológicos mas na retomada do contato humano através da experiência do diálogo do homem com o outro e consigo mesmo como o principal fator de um desenvolvimento psíquico.
Vultuosas somas economizaria o Estado se tivéssemos a preocupação de prover a alimentação, a higiene física e metal da infância desvalida afim de evitar sua ruína fisiológica e sua perversão moral. Keyserling (88) já havia dito, há muitos anos: “para remodelar uma nação tereis de remodelar o homem, capitular o seu coração ainda no berço e afirma-lo de modo a permitir o bom governo”.
A perspectiva de imensos caudais de dinheiro economizado, deverá atrair a atenção dos estadistas e induzi-los as procurar um rápido e decisivo remédio para tão angustioso problema.
Fazendo uma comparação no que disse Vicente Ferreira da Silva (118) referindo-se ao filósofo, podemos dizer que o analisando deve pensar existencialmente, isto é, incluindo-se a si mesmo em seu pensamento, ao invés de fazer do pensamento algo externo (do analista), algo cuja missão seria puramente a de refletir o modo de ser do analista e não “senti-lo”.
Diz Platão (91,c) “aquele que contempla se torna semelhante ao objeto de sua contemplação”. É colocar-se no lugar do Outro. Esta poesia de Angela Paiva de Lucio (122) contemplando o pai (com provável doença de Alzheimer) identifica-se com o bom existente nele.
Cadeira Vazia
Embora sempre esteja alguém sentado nela,
Como ficou vazia a cadeira perto da janela!
É que meses seguidos meu pai, qual um menino,
A ela esteve preso, distante, doente, franzino.No sorriso triste, calmo olhar, vazio e distante,
Nem sombra havia de inteligência brilhante
Que cativava e prendia. Tão bom e tal valor,
Tinha em todos um amigo, um admirador.Como ele havia mudado! E como dava dó,
Sem poder ler, escrever, sequer conversar,
Raras vezes perdia a sonolência do olhar.Mamãe a trata-lo sempre ali, tão só,
Com tanta saudade daquele que já não vivia,
Com tanto carinho por aquele que ali morria!.
Freud (40, b) referindo-se ao narcisismo, alegou que quando a libido é reprimida, o amor resulta impossível; o sujeito prisioneiro de seu mito fundamental, o projeta sobre todos os objetos presentes. O “Outro” (alter-ego) é sempre um substituto, um objeto deformado pela fantasmagorias das imagens interpostas. O “Outro” não tem realidade própria. O descobrimento do Outro marca para o sujeito um momento existencial a inversão dos valores de rivalidade em valores da fraternidade – é o Moisés surgindo do Moíses violento, pois o egoísmo do seu ego, descobriu o próximo: assim a resistência em conhecer o inconsciente é um mal. São Tomás dizia (126) “o mal é a privação de um bem que reclama a natureza e que deveria existir”.
Precisamos olhar de frente os fatos, sejam eles agradáveis ou não, sejam promissores ou esmagadores; colocar, com delicadeza, os “pingos nos iís” dizendo ao analisando: “você está com dificuldade de perceber o que lhe estou mostrando”, “você está com receio que eu vá fazê-lo sentir algo”! Em psicanálise deve-se interpretar os movimentos no divã, pois eles nos dão informes preciosos que estão passando nos pensamentos ou sentimentos do paciente. O conceito freudiano veio esclarecer os mistérios dos impulsos e o conceito bioniano veio elucidar os mistérios do pensamento; vejamos um exemplo; o analisando, impotente, falando sobre a sua mágoa pela esposa e a forma da cozinha, passa a mão na cabeça e depois na perna, flexionando-a estendendo-a em seguida, pegando o travesseiro; tais movimentos podem expressar que sentiu o seu corpo despedaçado, querendo ligar a cabeça (pensamentos) ao corpo (situação real confusa) através do travesseiro (seio do analista-mãe-pai), pois reforma na cozinha: é reformar o próprio corpo.
Para um indivíduo tornar-se realmente capaz de ter amizades sinceras, necessita sentir-se possuído de coisas boas, tais como tolerância, paciência, humildade, compreensão, doação e principalmente ser grato e saber perdoar o erro do amigo, pois ninguém é perfeito. Na base de toda a amizade existe um fator homossexual. Este fator pode ser de grande utilidade, seria de caráter construtivo no qual não existe desejos conscientes de relação genital. Por outro lado, existe em certas amizades o fator homossexual inconsciente, porém, de tal monta, que leva o indivíduo a sofrer ciúme e até mesmo delírio de ciúme, como é o caso da paranóia. Este tipo de homossexualismo acarreta amizade perigosa em conseqüência de poder terminar com um rompimento violento ou desastroso.
Focalizemos três tipos de amizades úteis, descrito por Khan (68); no dizer deste autor, a amizade somente se torna imperiosa quando houver um hiáto deixado pela ausência da presença de Deus. Julgo que esta situação seria decorrente do homem ser essencialmente um animal gregário, sendo Deus algumas vezes substituído pelo bom amigo.“Um treinador de circo consegue manter um elefante aprisionado porque usa um truque muito simples: quando o animal ainda é criança, ele amarra uma de suas patas num tronco muito forte.
Por mais que tente, o elefantinho não consegue soltar-se. Aos poucos, vai se acostumando com idéias de que o tronco é mais poderoso que ele.
Quando adulto, e dono de uma força descomunal, basta colocar uma corda no pé do elefante e amarrá-la num graveto que ele nem tenta libertar-se porque se lembra que já tentou muitas vezes, e não conseguiu.
Assim como os elefantes, nosso pés estão amarrados em algo frágil. Mas como, desde de criança, nos acostumamos com o poder daquele tronco, não ousamos fazer nada.
Tem saber que basta um simples gesto de coragem para descobrir toda nossa liberdade”.
“Há contatos que nascem sutilmente, como o sol. Embalados pelo tempo, crescem, amadurecem, ganham espaço, conquistando nosso coração. Permanecendo assim, a pino, até por certo que o destino, marque a hora do poente. Que o calor então restante não se transforme em deserto, mas, na chama fulgurante, perene, que não sirva só para aquecer saudade, mas também para gerar a claridade nos momentos sombrios em que se esteja só”.
“Pai,
Homem de ferro
Somos eternamente
Gratos e solidários
Em sua luta do
Dia a dia.
Te amamos”.
“O pai amigo e a mãe bondosa que nos leva ao caminho da Felicidade.
Nossa gratidão.”
“O eco de suas palavras e a luz de sua imagem têm me acompanhado nestes últimos vinte anos. Por tudo isso e pelo muito que você é ... um grande abraço”.
“Há muitos anos acompanho seu trabalho, mas só mais recentemente pude “saborear” sua competência, clareza e dedicação.
Um grande mestre sempre presente.”
“Quero lhe mostrar o existente em meu coração:
Saudade dos tempos do Instituto,
Admiração pelo seu desempenho como médico e professor,
Carinho, através do vislumbre de seu ser e suas manifestações,
Gratidão, como privilégio, do muito que recebi, desinteressadamente.
Continue sendo tempo e espaço para marcantes transformações e eternos renascimentos.”
“O tempo escoa pelo vão dos dedos, os valores, assim considerados,
velozmente mudam,
remanesce, porém, a lembrança, do apoio, respeito e carinho.
De você, portador daquele que sempre permanece,
Não se transforma, já que eternamente É!
Minha saudade, afeto e gratidão são grandes”.
“Antes de mais nada, preciso agradecer-lhes por tudo o que fez por mim. Todo o trabalho que teve, para que eu conseguisse ser hoje o que sou – a verdadeira. Muito obrigado”.
“Não apenas neste dia tão especial mas por toda a sua existência desejamos felicidades infinitas e muita luz. A riqueza de sentimentos compartilhados, vivenciados, elaborados e sedimentados ao longo de nosso convívio nos proporcionou e proporciona a segurança e fé em um mundo melhor.
Sua sabedoria e bom senso são uma constante em nossas vidas.”
“Curtindo um gostoso início de outono nesta mesma cidade, onde há onze anos atrás convivi com as piores sensações, no início da fase mais triste da minha vida. É portanto, com muita gratidão que, neste momento da reflexão, lembro-me de você e dos nossos companheiros de grupo, dos anos de 86 a 89, pela preciosa e fundamental ajuda que me deram, para que eu pudesse substituir a dolorosa confusão do passado, pelo prazer de um convívio cada vez mais gratificante com a realidade do momento presente.”
“Eu queria te falar pessoalmente mas acontece que eu me emociono fácil, e só vou chorar. Mas eu quero te agradecer de todo coração, esses anos que você esperou, a paciência que teve e a bondade que mostrou. Mais que isso – eu quero que você saiba que eu e meu marido estamos muito felizes e muito agradecidos por tudo o que você fez e vem fazendo por nós. Deus te abençoe.”
“Gostaria que as musas me inspirassem para que eu lhe dissesse as palavras mais lindas e grandiosas, tão grandiosas quanto a amizade que nossos colegas e eu temos pelo senhor.
Falar no momento em que um amigo de todas as horas começa a gozar as delícias de uma justa e merecida aposentadoria, não é tarefa difícil e acredito que qualquer um das presentes saberia fazer melhor que eu, bastando lembrar qualquer dos inúmeros fatos que povoam na vida em nossa comunidade.
Como servidor humilde que sou, quero ser eu a ter a honra de saudar, em nome dos pequenos, dos maiores e das autoridades do Departamento, pois a amizade e a dedicação que temos por sua pessoa, nivela a todos nós e as palavras simples dos funcionários subalternos significar; tanto quanto as palavras bonitas dos seus colegas e tenho certeza que refletem melhor o momento em que todos nos, como se fossemos irmãos, damos o nosso até breve ao irmão mais experiente que vai fazer uma viagem.
Nesta Placa que estamos entregando agora, não vai apenas um pedaço de prata com palavras vazias: Vai um pouco de cada um de nós, Vai uma singela homenagem ao bom colega, Vai o nosso respeito ao grande Médico, e vai a nossa admiração ao homem que não tem inimigos e que só aprendeu a fazer amigos !!!
Que seja mais feliz do que já é, com mais tempo para conviver com os seus e que continue sempre conosco. É o que desejamos e o que eu queria dizer.”
O animal tem uma certa forma de consciência mas não tem a consciência de si mesmo e não tem vontade persistente de mudar os impulsos. A vontade do homem tem essa potência e por isso o homem nietzchniano "é o animal que pode prometer" e o scheleriano (146) "é o ser vivo que pode adotar uma conduta ascética frente a vida". O ser que sabe dizer não é o eterno Fausto, a bestia cupidissima rerum novarum, nunca satisfeita com a realidade circundante sempre ávida para romper os limites do seu ser, aqui e agora (30) este tipo de homem pode adquirir outra visão do mundo. Na física aristotélica o mundo é eterno e incriado. Deus é o "motor imóvel do universo", (acima de todo o devir há alguma coisa superior a ele, com sua última razão) o "pensamento que se pensa em si mesmo e nada cria, movendo o mundo como causa final sem reconhecê-lo, como o amado atrai a amante. A alma não é mais do que forma do corpo organizado, devendo nascer e morrer com ele sem ter qualquer destinação sobrenatural". Assim, a filosofia aristotélica ignorava Deus criador e proveniente, bem como a alma imortal.
Em Aristóteles (6), a distinção entre essência e existência é puramente conceitual, lógica. Entretanto o tomismo (São Tomás de Aquino) (166) interpreta aquela distinção como ontológica, real, tornando-a capaz de servir de fundamentação racional para os dogmas da revelação cristã: “tudo o que está contido na definição de uma coisa não pertence a essa coisa essencialmente, mas acidentalmente por outra"; definição da essência das criaturas não implica sua existência, e elas não existem por si mesmas, e sim devido a uma outra realidade (ab alio). Essência seria o pólo oposto a existência. Essência ou quididade (“quiditas”) seria o núcleo substancial do ente em sua concreta individualização (ex.: "este" homem Pedro); a essência de Deus abarca a plenitude do ser: ele "o" próprio ser (impsum esse). A essência como potência subjetiva e o ser (existência) como ato, constituem o finito; o fundo essencial interno das coisas em oposição a sua forma exterior. Esta forma está sujeita a individuação (mudança) e essência seria algo superior à individuação, seria algo pertinente. Essência metafísica seria o núcleo intimo e a essência física seria a propriedade.
A existência, é portanto, um momento fundamental que, junto com a essência, constitue e por isso caracteriza todo o ente. A nossa existência e a de todos os casos do universo é limitado, de fato é só um ser ai (Dasein) limitado a um determinado "ai", espacial e temporal. A nosso ver, em psicopatologia profunda a essência metafísica seria a líbido e a essência física seria a propriedade energética transformada. A líbido é a essência da vida, as suas manifestações podem variar de indivíduo para indivíduo, de acordo com a herança e com a educação (maior ou menor desenvolvimento do instinto de morte porque ele já pré-existe em cada ser).
O “tudo que está contido em uma coisa não pertence a essa coisa” estaria de acordo com as leis biológicas da genética (somos o que foram os nossos antepassados); "elas não existem em si mesmo e dependem de outra realidade", seria, também, dependente dos instintos de vida ou de morte herdados que influenciam as fantasias inconscientes e não dependem conscientemente de nós, como também estariam aqui enquadrados os arquetípos jungianos, experiências que herdamos de nossos antepassados (174) ou a chamada reincarnação dos espiritualistas ou a imortalidade dos eletrons, ions, etc. da física quântica (ver capítulo sobre Filosofia, Física Quântica e Psicoterapia).
Apenas em Deus haveria identidade entre essência e existência, Deus existe por si e Ele mesmo teria se revelado a Moisés, afirmando: “Eu sou aquele que sou”. Deus seria o puro ato de existir, não sendo uma essência qualquer (seria somente a energia libídica não contaminada).
Quando Svetaketu, voltou à casa paterna cheio de saber, o pai disse-lhe:
- Traze-me um fruto da árvore “nyagrodha”
- Aqui está senhor.
- O que vês?
- Algumas sementes, extremamente pequenas.
- Quebra. uma delas.
- Está quebrada, senhor.
- O que vês?
- Nada, em absoluto.O pai disse-lhe então: - Meu filho, nesta sutil essência que não percebes aqui - nesta essência está o ser da enorme árvore de "nyagrodha". Naquilo que é a essência sutil, tudo que existe tem o seu ser. Esta é a Verdade, isto é o Ser, e tu, Svetaketu, és Aquilo.
"Aquilo pelo qual o mundo todo é impregnado" (Bhagavad-Gita) (12).
Na manhã seguinte o pai disse:
- Traze-me o sal que colocastes na água.
O filho procurou, mas não pode encontra-lo, pois o sal tinha-se dissolvido. O pai então falou:
- Prova um pouco da água da superfície. Como está ela?
- Salgada.
- Prova um pouco da do meio. Como está?
- Salgada.
- Prova agora da do fundo. Como está?
- Salgada também, respondeu o filho.
Então o pai disse:
Deixe a vasilha ao sol e volte amanhã.
Assim fez, a água evaporou e o sal estava lá no fundo, porque o sal existe sempre.
Então o pai disse:
- Aqui também, neste teu corpo meu filho, não percebes o Verdadeiro; mais ai, de fato está ele. Naquilo que é a essência mais sutil, tudo existe tem o seu Ser. Aquilo é o Verdadeiro. Aquilo é o Ser, e tu Svetaketu, és Aquilo. (in Chandogya Upanishad, citado por U. Lemos Torres (128).
O homem, para São Tomás de Aquino (166) parece ter duplo compromisso: primeiro por sua alma, que pertence à série de seres imateriais, mas não é uma inteligência pura, como a dos anjos, pois encontra-se essencialmente ligada a um corpo; a nosso ver, por estar ligada a um corpo, estaria ligada ao instinto de morte, e só Deus seria a líbido não contaminada pelo instinto de morte. Outro compromisso é ser o liame substancial do universo; a alma humana é, assim, um horizonte onde se tocam o mundo dos corpos e dos espíritos.
Embora psicologicamente o conhecimento tenha início no plano corpóreo (os sentimentos que apreendem objetos materiais), na verdade o processo é comandado pelo fim, situado no plano incorpóreo, espiritual (o "intelecto agente" que, já em ato, move a atualização da inteligibilidade e da universalidade, potencia os dados fornecidos pelos sentidos).
O fim do homem, para São Tomás de Aquino (166) seria o aperfeiçoamento de sua natureza, o que somente poder-se-ia cumprir em Deus, ser absolutamente necessário e subsistente em si e por si (Esse sub-sistens, actus purus). A finalidade última das ações humanas transcenderia, portanto ao próprio homem, cuja vontade, mesmo que ele não o saiba, leva-o a dirigir-se ao seu supremo. São Tomás de Aquino todavia, não tinha conhecimento das fantasias inconscientes e mesmo assim concebeu a existência de algo independente da vontade, semelhante a ação do instinto de vida, cuja finalidade é dirigir-se à Deus.
Para que possa ser considerada boa, a vontade deve conformar-se à norma moral que se encontra nos homens com reflexo da lei eterna da vontade divina. Esta, no entanto, não pode ser conhecida pelo homem, de tal forma que deve limitar-se a obedecer aos ditames da lei natural, entendida como lei da consciência humana e isso, a nosso ver porque não se tornou consciente o inconsciente.
Para o tomismo a virtude consiste na moderação e equilíbrio entre atitudes opostas à razão. Para esta doutrina, as essências são universais que tornam inteligíveis os seres particulares (a nosso ver o homem diferencia-se do primo macaco por desenvolver o cérebro pré-frontal e melhores conexões dendríticas adquirindo o superego ou sob o ponto de vista religioso, a alma; a energia libídica seria única, mas o próprio indivíduo poderia desenvolvê-la mais e melhor, tal como o Homo Moralis diferenciando-se do Homo Brutus em decorrência da essência física, transmutação energética.
Duns Scotus (148) contrapõe-se a tese tomista., afirmando que o universal e o individual estão contidos indiferentemente na essência. Isso significa que o real não é pura universalidade, pois esta fragmenta-se nos diferentes indivíduos; as essências não seriam, portanto apenas universais (os universais não teriam realidade objetiva, existindo apenas no intelecto humano), mas, também, individuais – é o conceito de estidade (haecceitas). A estidade formula o inicio de uma concepção que atribui estatuto de ciência ao aqui e agora. O principio da individuação não é constituído pela matéria senão por uma última diferença de forma, tal como a alma é a forma de corpo mas não a sua única forma; o âmbito do saber demonstrável é circunscrito, ex.: Deus é demonstrável filosoficamente mas o mesmo não acontece com a sua onipresença e onipotência.
A energia libídica estaria contida tanto no indivíduo como em outros corpos do universo (é a essência vital - movimento harmônico), mas a diferenciação deste tipo de libido dependeria da evolução de cada um de acordo com a mutação genética ou do tipo de educação nos períodos de molde; logo, de acordo com a estidade, a individuação não é constituída só pela matéria mas sim dependeria da forma, isto é, do produto de transformação energética. Podemos aplicar estes princípios em medicina psicossomática: a equidade psicossomática seria uma intimidade (interioridade) psicofisiopatológica que ocorreria no corpo humano, o núcleo fundamental da doença (psicossomática) seria causada pela fantasia inconsciente ou consciente (o universal do escotismo), mas teria especificidade (o individual de escotismo) sendo diferente para cada indivíduo (individuação do escotismo) ou estidade ou eceidade, logo, o conceito do estidade ou escotismo psicossomático poderá ajudar a explicar inúmeros mecanismos psicopatológicos até hoje incompreensíveis. (115, q)
Com a prática psicanalítica, a importância do aqui e agora, vem valorizar o conceito de estidade, pois a razão (intelectualizacão das causas dos conflitos) não interfere na solução dos conflitos, os quais deverão ser "sentidos" através da emoção, o que se consegue pelo fenômeno da vivência transferencial do "aqui-agora-comigo". Queremos dizer que com os conhecimentos da psicologia profunda as divergências entre os conceitos aristotélicos, tomistico e estidade tomam outro rumo; o conceito de energia criadora (libido mais instinto de morte conforme a teoria monística, isto é, uma fonte única dando tanto instinto de vida como instinto de morte tal qual, em bioquímica, o núcleo peridrociclofenantreno, que daria tanto hormônio feminino como masculino) quando pura, sem contaminação pelo instinto de morte seria Deus. A chama divina estaria em todos indivíduos (as essências são universais, como reza o tomismo) ou estaria contida indiferentemente (o universo e o individual) na essência (conceito de estidade), assim esta concepção dependeria de se considerar a essência metafísica e física (esta seria um fenômeno energético mutável) ou então acreditar ou não na existência da alma eterna, o Homo Moralis como ser superior a todos os indivíduos, que, se fundiria em Deus (Ser supremo), constituindo o Homo Noumenon.
É preciso que o homem sofra no interior a metamorfose das fantasias inconscientes culposas e não culposas, através da psicanálise ou mesmo conseguindo pela religião no seu mais alto sentido. Todavia, é este o ideal de quase todas as religiões: o Bem Supremo (que só existe em Deus) e de certas filosofias, começando pela chinesa, por Lao-Tsé, sistema Laokin, que consiste do nada, isto é, na consciência de se sentir absorvido no abismo da divindade, confundindo-se com ela, e, por conseguinte no aniquilamento da personalidade no sentido de atingir a meta Superior. Diz Platão em seu Teeteto (121, a) "isto mostra o esforço que se impõe: evadir-se o mais depressa possível, daqui de baixo para o alto. Evadir-se é tornar-se o mais semelhante possível a Deus”.
Para que o homem gozasse da tranqüilidade eterna, deveria estar filiado ao sistema de emanação daquelas almas humanas provenientes da divindade (o eu solitário estaria em ligação direta conta Divindade). Deste conceito derivam as escolas filosóficas: 1) panteísmo; 2) espinozismo.
No "Tratado da reforma do entendimento", Baruch Spinoza refere que o fundamento do erro reside em nós na limitação de nosso entendimento, que só é uma parte do conhecimento universal com que o Todo se concebe a si (122) (a nosso ver, a "substância única" desta filosofia seria a libido); 3) a "Fenomenologia" de Karl Jarsper (80) que dela derivam a "Fenomenologia Transcendental" e a "Psicologia Fenomenológica" de Husserl (72) e Heidegger (65) desembocando na “Analítica Existencial” (Daseinsanalyses) de Binswanger (22), Merdard Boss (28) e outros (101) (139). Nestas escolas, o conceito do mundo ("welt") é diverso do mundo dos naturalistas (“Unwelt”); o homem possui, como todo o animal, um mundo ambiental, porém o homem tem o seu mundo particular, formando o homem o seu mundo, explicando as novas formas de existir com doença mental.
O existir humano não é só no aqui agora é também a projeção do ser no tempo (a vivência transferencial como referimos) e que pode acabar no nada, dai a angústia existencial. O enunciado heideggeriano da diferença ontológica entre o ente e o ser, que a nosso ver partiu do principio tomista, por sua vez originário de Boécio: "em todas as criaturas o ser (esse) difere daquilo que é (quodest)"; o ser é essencialmente projetado e o ente, pelo contrário, são as coisas e as possibilidades franqueadas e abertas pelo esboço projetivo original. O filósofo paulista, Vicente Ferreira da Silva (156) achava que o homem não é o Senhor do Ser, mas sim o Pastor do Ente (cabe ao homem pastorear os desempenhos e oportunidades consignadas pelos Deuses). O ser no mundo e o devir vir a ser por transformação, seria, em linguagem psicanalítica, o self mais meio ambiente.
Em nossa opinião não adianta Ser no mundo (Existência passiva), precisa-se Estar no mundo, isto é, não adianta a gente "viver" neste mundo precisa-se participar ativamente, reconstituindo-o, remodelando-o ..., mas para isso precisamos estar sem ou com muito pouco sentimento de culpa consciente ou inconsciente, - é a "EXISTENZIA" (no conceito dinâmico) (115, q)
As duas dimensões do conhecimento, a horizontal que leva o homem ao homem e a vertical, que leva o homem à Deus, são ao mesmo tempo, cruz e círculo: a mandala.
Não consideramos de modo nenhum utópica a possibilidade de dar a todo ser humano sensível um suficiente conhecimento das fantasias inconscientes.
Julio Cortázar (37) escreve:
"A realidade não é simples. A lua e o chão teia outra face, sempre existe um recurso. Tudo tem sua sombra; mesmo a Terra, ainda que possamos vê-la fugazmente projetada em outro corpo celeste. Tarefa semelhante é a que se empreende mostrar as sombras ou realidade, realidade que - parece - se nos escapam por entre os dedos quanto mais nos obstinamos em aprende-las. Realidade e fantasia, fantasia que integramos num jogo que nos circunda - a vida - o verdadeiro Bestiário".
Quando a gente vê o “porque” das coisas, já não acha tão difícil descobrir o equilíbrio do mundo: para cada hora de trevas há uma de luz, cada maré alta tem sua vazante, para cada pergunta existe, em algum lugar, uma resposta. É como diz Thompson (168).
“Ò mundo invisível
nós te verias,
Ò mundo intangível,
nos te tocamos,
Ó mundo incognoscivel,
nos te conhecemos,
Impalpável,
nós te abraçamos”.
Ou como Madre Tereza de Calcutá (segundo Luiz Antonio da Silva – Folha S.P. 14-III-1996).
“A vida é uma oportunidade – aproveita-a
A vida é uma beleza – admira-a
A vida é uma felicidade – saboreia-a
A vida é um sonho – torna-o realidade
A vida é um desafio – enfrenta-o
A vida é um jogo – joga-o
A vida é uma preciosidade – protege-a
A vida é uma riqueza – conserva-a
A vida é um mistério – desvenda-o
A vida é uma promessa – cumpre-a
A vida é uma tristeza – supera-a
A vida é um hino – canta-o
A vida é um combate – aceita-o
A vida é uma tragédia – domina-a
A vida é uma aventura – encara-a
A vida é um gozo – merece-o
A vida é uma vida – defende-a”
A perfeição do indivíduo jamais se obterá (somente Deus é perfeito, certos profetas obtiveram algo similar a glorificação), todavia a tentativa de aperfeiçoa-lo, que se realiza paulatinamente, deverá ser sempre tentada, para se chegar do Homo Noumenon.
O homem realmente amadurecido é humilde e grato, isso porque a humildade é uma virtude que nos dá o sentimento das nossas limitações (não confundir com humilhação, rebaixamento moral); seria o reconhecimento da nossa insignificância diante da grandeza de Deus.
Segundo Krishnamurt (95): “só se pode olhar, compreender, amar, quando se é humilde. Ninguém o é realmente, há apenas percepção, apreensão da realidade”.
“O sábio é aquele indivíduo que sabe que não sabe... A descoberta de algo incógnito requer árdua luta e a subsequente glória é patranha. Ser humilde é sentir-se um grão de poeira neste universo, uma insignificância diante do cosmos, porém é, ao mesmo tempo, sentir que existe um potencial de energia atômica nesse grão, cuja força pode desenvolver-se de tal maneira a mudar o próprio destino e a própria história...
Estamos falando de humildade e não da falsa humildade; isto é a fonte que se serve a ambição para atingir o fim almejado e uma vez alcançado sua mente desdenha dos que estão do outro lado e os que o ajudaram para galgar a nova posição.
A gratidão é outro sentimento libídico de reconhecimento ao que foi feito de bom; sendo pouco contaminado pela inveja; portanto, somente os indivíduos superiores de espírito conseguem ser agradecidos.
A perseguição não faz sofrer o justo e nem a opressão o destroi, se ele está do lado da verdade. Sócrates (157) sorriu ao tomar cicuta. O que realmente fere é a sensibilidade do nosso superego, que doi, quando a ele nos opomos e penamos quando o atraiçoamos, porque estamos sob o domínio da culpa motivada pelas fantasias inconscientes.
O homem com complexo de castração é, em geral, um indivíduo inseguro devido as suas fantasias inconscientes de matar o pai (“Nome da Lei” segundo Lacan) (100) para possuir a mãe e, fascinado pelo falo (porque pênis teria o significado genital e falo seria um significado metafórico; quem tem falo é forte, porque o homem é desde os trogloditas mais forte fisicamente que a mulher (daí o conceito erróneo de que masculino é o potente), estaria condenado a conviver com a “presença de uma ausência” (o pai castrador). Devemos, através da psicanálise, ensinar o homem a conviver com o sentimento de castração ou sem medo de enfrentar o pai na imagem do analista e torna-lo otimista e seguro dentro da realidade: para isto, ele deve sentir o analista como pai bom (em liguagem lacaniana – acesso ao “Nome – do – Pai”, que é uma identificação secundária).
Outro “filigrana” que se depara durante o tratamento analítico, como também na vida social, é a inveja do bom. Certos indivíduos ou analisandos não admitem ter um rival ou competidor ou mesmo amigo que esteja em melhor situação. Esse indivíduo não agüenta a presença do “melhor”, tem medo inconsciente de agredi-lo e, portanto, destruí-lo ou de contaminá-lo com o ruim que existe dentro dele. Tal é o exemplo de Severine em “A bela da Tarde” de Kessel (97) que tendo um esposo bom não podia suportá-lo sexualmente para não contaminá-lo pelos seus objetos ruins internalizados; necessitava promiscuir-se sado-masoquicamente com indivíduo sórdido e de baixo calão.
Estes indivíduos necessitam da psicanálise, pois sem o conhecimento das fantasias inconscientes que geram culpa, não poderão ser felizes e nem trazer felicidade a alguém.
A citada Severina não sentia-se merecedora do que possuia: bom marido, boa posição social e sobretudo, paz de espírito. O romance ao terminar deixa o leitor a sua própria conclusão, dependendo, evidentemente dos seus conflitos inconscientes ou então dos seus conhecimentos sobre o inconsciente ou de sua projeção sobre as personagens (o esposo de Severina torna-se paralítico devido ao tiro recebido do amante dela ou seria somente uma fantasia do que poderia ocorrer se ela continuasse com a vida devassa; existiria outra hipótese). No dito popular Severina, “nasceu errada” ou “pau que nasce torto jamais se endireita” ou “estava predestinada, não tinha jeito”...
É comum confundirem fatalidade com destino; costumamos diferencia-lo; fatalidade independe de nossa vontade, por exemplo: estamos em uma sala e cai sobre nós um avião, matando-nos. Já o destino depende muito das nossa fantasias inconscientes e o exemplo mais típico está em Édipo-Rei (115, e); parto do princípio de que Édipo se tivesse sido psicanalisado, isto é, tivesse conhecimento de seu conflito não teria assassinado o pai. Édipo foi abandonado pelos pais (Iocasta e Laos) quando tinha meses de idade, período de vida mais do que suficiente para produzir inúmeros conflitos devido a sensação de abandono causar fantasias inconscientes agressivas e mesmo assassinas gerando sentimentos de culpa. Édipo foi abandonado com os pés amarrados (daí o seu nome) um pastor recolheu-o, entregando ao rei de Corinto; um oráculo disse a Édipo que ele iria matar a seu pai; ele fugiu para que isso não ocorresse e no caminho discutiu com um estranho e assassinou-o; este era seu próprio pai, Lao. A agressividade recalcada de Édipo fora devido ter sido abandonado pelo pais, gerando uma agressividade assassina; si ele tivesse tornado consciente este conflito poderia evitar tal tragédia; daí a conclusão de que em se conhecendo o inconsciente estaremos mais aptos a controlar os nossos impulsos primitivos que tanto sabor amargo pode acarretar. O destino está em nossas mãos, a fatalidade não!
As adversidades na vida estragam as obras dos homens, mas não apagam os seus sonhos nem enfraquecem os seus impulsos criativos. Esses sonhos e impulsos sobrevivem porque pertencem a libido, embora se escondam ou adormeçam, periodicamente, imitando o sol ao crepúsculo e a lua ao amanhecer.
Deus colocou em nossos corações uma tocha, que cresce com a experiência vital e, principalmente, com o conhecimento do inconsciente; é pecado deixar-se extinguir essa tocha e enterrá-la entre as cinzas...
No livro sacro dos hindús BHAGAVAD-GITA (12) existe um poema intitulado “Do amor universal” que diz, de maneira explícita, sobre a importância do amor sobre o conhecimento e sobre a experiência:
“Verdade é que o saber espiritual
é maior que o fazer material,
porém,
maior que ambos é o amor integral,
e isto requer total desapego.
Quem a tudo renuncia por amor
Está perto da meta final”.
Costumamos mostrar que a vida consiste em dar e não em receber, porém quem dá acaba recebendo. O poema “Súplica” do egípcio DHU’l-NUN (118, b) refere a arte de manter a amizade:
“Nunca é longe demais o caminha
para se chegar ao encontro do Amigo
nem pequeno demais o lugar
onde ele se encontra”.
No próprio Bhagavad – Gita citado, encontramos:
“Quem a ninguém ofende neste mundo, nem se sente
ofendido por ninguém, mas paira acima do prazer e da dor,
liberto de cólera e temor – esse me é querido.
Quem é sereno e equilibrado diante do amigo e do inimigo
Imperturbável em face de louvores e vitupérios, em face do prazer
E do sofrimento, livre de qualquer escravidão – esse me é querido”.
Aristóteles (7) descreve muito bem a maturidade emocional no seu “Homem magnânimo”: “O homem magnânimo sabe como deve comportar-se quando é exaltado e humilhado, sabe mostrar temperança na sorte, seja boa ou má. Não sente exagerada alegria num grande sucesso, nem muito dor numa derrota. Não procura, mas também não evita o perigo e pouca são as coisas que o preocupam. Não é dado facilmente a falar, mas quando a ocasião o exige, diz franca e corajosamente o que sente. Não ambiciona se louvado nem ver os outros censurados. Não se zanga por coisa de pouca mostra e não conta com a ajuda de ninguém”.
A identificação para com o analista, isto é, introjetá-lo como objeto bom, como “homem magnânimo” após ter exorcizado os objetos maus, torna-se indispensável para se obter êxito na psicoterapia analítica; no islamismo encontramos uma oração de AL HALLADJ (118, h) que fala de maneira similar da chamada identificação projetiva:
“Ó tudo de meu todo
Eis-me, eis-me, o meu segredo
Ó minha confidência!
Eu te chamo? ... Não. És tu que me chamas para ti!
Ó essência da essência de minha existência,
Tu que me fazes falar e que és meu enunciados,
Ó tudo de meu todo
Meu ouvido, minha vista
Ó minha totalidade
Tudo de todas as coisas, equívoco, enigma.
E o todo de teu tudo que eu obscureço
Porque tanta delonga
Em tão longo afastamento
Oh, embora te escondas no invisível,
A meus olhos,
Meu coração já te contempla
No afastamento de meu exílio!”.
E as “Confissões” de Santo Agostinho (3) também referem a esta identificação.
“Interroguei a terra e tudo o que ela contém.
Ela me disse: “não sou eu”.
Interroguei o mar, os abismos e os seres que os povoam,
Responderam-me: “Não somos o teu Deus, procura outro”.
Interroguei o vento e o ar com seus habitantes,
Disseram-me: “Anaxímenes se engana, eu não sou Deus”.
Interroguei o céu, o sol, a lua e as estrelas,
Disseram-me: “Nós também não somos o Deus que procuras”.
Perguntei então aos seres que estão à portas de minha carne:
“Desse Deus, que não sois vós, dizei-me alguma coisa”...
Então, com voz forte, exclamaram: “Foi Ele quem nos fez”.
Minha interrogação é minha reflexão interior.
A resposta deles é o lado externo.
Tornei-me, então, para mim mesmo
E disse-me a mim mesmo: “Quem és tu?”
E eu respondi: “Um homem, eis o que sou”.
Dois lados, porém se apresentam a mim:
Um externo, outro interno: corpo e alma.
Os dois me ajudaram a encontrar Deus.
A vida de meu corpo é minha alma
Mas a vida de minha alma és tu.
Tarde te amei
Estavas dentro de mim
Mas eu estava fora.
Estavas comigo e não estava contigo ...
Tocaste-me: inflamei-me pela paz que me destes”.
A minha operosidade tem me causado mais danos que os meus vícios - estranho que pareça, continuo na mesma linha talvez não por masoquismo e sim por consciência tranqüila de se estar evitando a ignorância e as bias.
Kierkegaard (91) disse: "Quando o homem vive mergulhado no dia presente, volta as costas para o amanhã. Mas se ele se virar, futuro se turva a seus olhos e se confunde com o amanhã. Porém quando, para bem se dirigir para o seu fim (a eternidade), ele lhe volta as costas, não vê, absolutamente, o amanhã, enquanto graças ao eterno, vê, com perfeita nitidez, o dia presente e seus trabalhos. E é assim que o homem deve orientar-se para bem trabalhar hoje. Todo momento de impaciência em que se acaba desejando o fim, para, ver se está chegando mais perto, é causa de atraso e de distração. De uma vez por todas, seja firme e ponha-se ao trabalho, com as costas voltadas para o futuro. Assim faz o remador, dentro da barca".
A fé volta as costas à eternidade justamente porque a retém dentro do presente. Aquele que se atormenta com o futuro é um ausente, um impotente. Mas aquele que crê - o presente - este é o contemporâneo de si mesmo, no sentido mais elevado da palavra. Esta contemporaneidade do dia presente é justamente o nosso trabalho. Aquele que o realiza tem a fé.
Machado de Assis muito bem escreveu: (108)
"Vós, que hoje colheis, por esses campos largos,
O doce fruto e a flor,
Acaso esquecereis os ásperos e amargos
Tempo de semeador?
Rude era o chão; agreste e longo aquele dia;
Contudo, esses heróis
Souberam resistir na afanosa perfia
Aos temporais e aos sois".
Há quatro razões básicas para trabalhar: 1) o hábito; 2) o prazer; 3) o dinheiro; 4) o poder.
Poucas pessoas trabalham por prazer e hábito, a maioria pelo dinheiro-poder. É a ânsia do poder que mantém a maioria das pessoas trabalhando. – é o HOMO IMPERANS. Um dos ideais do homem tem sido o desejo de poder.
Nietzsche (119) já dizia: "0nde quer que encontrei vida, lá encontrei a vontade de ter poder".
É dito popular: que o poder é bom, que a fraqueza tende a corromper o indivíduo e a impotência, irmã da insegurança, corrompe absolutamente. Em certos indivíduos só existe uma finalidade: o poder. A sede de poder é uma expressão essencial da nossa humanidade: se ele for sem agressão destrutiva (não pisar por cima dos outros) será de grande utilidade ; contudo, a firmeza de caráter é ainda mais importante.
Certas pessoas, com ego forte e com poucos erros nos períodos de molde, sabem como usar o poder, usa-o através da humildade. Certa imobilidade, o olhar firme, as mãos quietas, principalmente uma presença sólida, sugere que está no lugar que lhe pertence, mesmo que esteja em local alheio; não há necessidade de bigode, barba ou cavanhaque; estes, em geral são usados, geralmente, para super compensar um sentimento de inferioridade. É útil aprender a se estar serenamente sentado, enquanto os outros se agitam nervosamente, suando; o verdadeiro homem por ocasião de crises, tira partido de sua imobilidade de pedra, com absoluto controle sobre a sua bexiga; seja qual for a duração de uma reunião ou de almoço, jamais é o primeiro a levantar-se para ir ao banheiro; descruza as pernas e inclina-se para a frente como preparado para lutar.
Este aspecto de triunfador impõe respeito até para homens mais velhos, pois ninguém gosta de estar em contato com indivíduo inseguro, devido a própria insegurança que existe escondida dentro de cada ser.
Segundo Portmann (127) as pessoas que facilmente perdem a cabeça (denominamos de “pavio curto” ou síndrome do núcleo amidalóide) são contempladas com grande privilégio e muita liberdade, simplesmente para se manterem caladas; raramente lhes é confiada uma posição de poder. O mais que podem fazer é expulsar pelo medo os intrusos de seus ninhos, com demonstração de ritual de cólera, como o uçá macho, que fica brandindo a sua garra esquerda "como aviso aos outros machos ... e como delimitação de território". Nos executivos humanos, os sinais de descontrole predominantemente faciais - as maçãs do rosto tornam-se bolsas vermelhas, os olhos adquirem fixidez e às vezes ficam bulbosos, os lábios endurecem no centro, mas tremem nas extremidades. A raiva de cada pessoa é intensificada pela insegurança e à medida que essa pessoa sobe na escala hierárquica, aprende a se controlar e a acalmar os outros, pois ela tem consciência de que o poder consiste “na produção dos efeitos pretendidos” e não em violentas auto-exibições. O saber se expressa em termos claros e concisos, em momento de grande tensão, além de ter arte, necessita-se somente tarimba. Saiba dizer não somente em situações imprescindíveis de se agir; exclusivamente nestas condições o não será útil. O homem sábio depressa aprende que onipotência é servidão. Excesso de poder sobre os outros pode ser tão mau quanto cair nas garras de alguém que pensa ter o direito de comandar as nossas vidas. Hermann Hesse (52) já disse: "ele teve o destino de todos aqueles que exercem um poder natural e inicialmente inconsciente sobre os outros homens; esse poder não é exercido sem que o seu possuidor pague por ele um certo preço".
Não há dúvida que um dos objetivos do poder é a sobrevivência neste mundo difícil; todavia o indivíduo com ego mais forte sobreviverá mais facilmente, embora use com freqüência as somatizações: constipação, alergias, enxaquecas, etc. ... Os aumentos do ácido úrico e dos triglicerídeos são encontrados nos indivíduos “poderosos” e eles encontram-se baixos nos desempregados, parecendo haver, nos primeiros uma "hiperfunção relativa" da adrenal, decorrente da tensão e responsabilidade (115, a).
Certos indivíduos tornando-se chefes, costumam sugerir, na tentativa para aplacar os rivais: se eles tomassem o seu lugar não haveriam de gostar ; mas, em um nível mais profundo, esta atitude provém de um sentimento de que está certo ter poder, mas está errado, por sentimentos inconscientes de culpa, a busca de sua posição.
Esses indivíduos ditos "dono do poder" nunca tiram férias e se estão gozando-as, jamais estão (mentalmente) ausentes do escritório; fator este de suma importância na produção do estresse e do enfarto do miocárdio.
As queixas dos poderosos acerca da tensão, do estresse e do excesso de trabalho são falsas na maioria das vezes a, quando são autênticas, são auto-impostas. Amar o poder é uma forma de culpa. – São conflitos internos, e só os próprios indivíduos é que sabem disso! O homem, por definição, é capaz de sobreviver ao fracasso e a humilhação, mas pode tirar desta situação um pouco de sabedoria mais profunda; caso contrário, é porque a arrogância e a soberba, formas de insegurança, estão imperando no íntimo do indivíduo. Daí, o porque de evitar vitórias sobre os superiores: estes não são realmente "superiores" pois na maioria das vezes estão super compensando uma inferioridade... O homem firme, com ego forte (Homo Erogenus), é respeitado pela sua astúcia e boas maneiras e, principalmente, pelo auto-controle e bom senso.
O poder é mito - todos querem e todos o receiam; ele é também um ritual mítico, tal como sempre foi; quem procura o poder deve estar preparado para este ritual de significado totêmico; como por exemplo, o chefe que vai despedir um funcionário - "é ato sagrado" praticado para a sobrevivência da "tribo"... (115, p).
A arte de adiar a aposentadoria reside em manter a "aparência" do poder, enquanto na "realidade" se vai desistindo dele, e “segurando”; os títulos e honrarias (figura decorativa); se for então "executivo", cargo sempre almejado (mais por inveja), qualquer descuido da pessoa poderá ser motivo para severas críticas.
Para o indivíduo conquistar a firmeza, para se tornar o Homo Erogenus, será necessário conhecer o inconsciente, para assim poder resolver os seus conflitos; depois, então, aplicar as normas conscientes tal como o velho principio Zen (60) : "põe toda a tua alma e todo o teu ser e toda a tua vida no ato que estás praticando. Na arte zeniana de atirar setas, todo o teu ser joga a seta (a vontade) no centro do alvo, com uma força invisível. Não se trata de uma questão de vencer, ou mesmo de cautela, trata-se apenas de tornar importante para nós mesmos os atos que praticamos diariamente". Por menos importante que seja a tarefa, temos que ensinar a nós mesmos que ela importa.
Quem, entre os burgueses, julga um pedreiro alguém neste mundo? Nem merece ser tido em qualquer conta. Mas quando o pedreiro cruza os braços e se nega a trabalhar, logo os burgueses entendem que o pedreiro não é lixo humano. Mesmo o médico, o advogado, burgueses, nos ajudam a evitar muitas enfermidades e nos defende no império da lei do direito?
Quem recorda a fome e o heroísmo dos apóstolos, dos artista e dos pesquisadores? Índubitavelmente, graças a eles, diferenciamo-nos dos irracionais.
É certo que a aspiração do parteiro, açougueiro e pedreiro é a de se converterem em burgueses, como o prova a experiência de muitos milhares de anos em todos os países do mundo.
Os burgueses de hoje eram os proletários de ontem. A questão social consiste em reconhecer a dignidade e o mérito de cada um.
Quanta verdade existe nestas palavras. Mais uma vez tento demonstrar a importância de se conhecer as fantasias inconscientes para se chegar a verdade e com ela a paz e a tranqüilidade. Todos os pessimistas, necessitam descobrir as fantasias inconscientes para poder dar "o salto". Disse Epicuro (51):
"Feliz quem possui conhecimento porque esse não procura usurpar o poder dos seus concidadões, não trama um ato injusto, contemplando a natureza eterna, a ordem inalterável, a origem e os elementos das coisas, verifica-se que a alma não se macula de nenhum desejo degradante".
Albert Camus em "O mito de Sísifo" (32, a) narra: “Os deuses tinham condenado Sísifo a rolar interminavelmente um rochedo montanha acima, até o alto de onde a pedra tornava a cair por si mesma. Pensava, com alguma razão, que não há punição tão terrível como o trabalho inútil, e sem esperança". Esse mito é uma imagem da vida humana.
Que fazemos sobre a terra senão "um trabalho inútil e sem esperança?” Como passam os homens sua vida breve e única? Acordar, condução, horas de trabalho, descanso, sono e segunda, terça, quarta, quinta, sexta e sábado no mesmo ritmo... Se chegarmos, à força de trabalho, a suspender o rochedo até o topo, então, uma doença, ou uma guerra, fá-lo rolar de novo e, de qualquer modo, tudo acaba com a morte que é a queda final.
Tomar consciência do caráter insensato dessa agitação, da inutilidade de tanto sofrimento, é descobrir o absurdo de condição humana. Por que somos condenados? Por quem? Em razão de que crime? Neste mundo de ilusões, o homem sente-se “um estrangeiro”. Sim um “Estrangeiro de Camus” (32, b) porque não está em sua casa, porque não conhece o seu inconsciente. Este universo não foi feito para recompensar seus esforços. Foi jogado nele, com uma necessidade de compreender que nada consegue satisfazer. "O divórcio entre o homem e sua vida", entre o "ator e o cenário", é verdadeiramente o sentimento do absurdo. O absurdo dessa confrontação entre o apelo humano e o silêncio desarrazoado do mundo. Logicamente, tal sentimento deveria conduzir o homem absurdo à inépcia, na expressão de André Maurois (83).
Contudo, o absurdo não está no homem nem no mundo; está em sua coexistência. "Conhece-te a ti mesmo", dizia Sócrates (157) é de maior valor do que “seja virtuoso”, ditado pelo moralista. A contaminação diária com Tanato, descrita por Camus era decorrente não de um panegírico à morte, como muitos entendem e sim por falta de conhecimento do seu mundo inconsciente dos seus sentimentos de culpa motivado provavelmente pelas suas fantasias infantis de morte contra o pai coadjuvado pela miséria na sua infância. Camus foi portanto, destruído. Aquele que não tem receio de penetrar no labirinto do seu inconsciente, pode vencer o "complexo de Sísifo", que é pois, motivado por culpa não consciente. Quem não tem culpa, tem até certo prazer no trabalho rotineiro, ou melhor, transforma-o em algo agradável. Caso contrário, o trabalho com desgosto é contaminantemente tanático prejudica a si mesmo e aos que o rodeiam, tal como o cozinheiro ou o doceiro que trabalha sem arte... O indivíduo com força de enfrentar o “minotauro” no inconsciente seria tal como Herman Hess (68, a) que se deixa identificar com o "O Lobo do Estepe" passando por “Sidarta” (68,b) e ao descobrir sua culpa inconsciente (que todos nós carregamos, tais como complexo de Édipo, sentimento parricida e filicida) - que fantasiou, inconscientemente, separar o pai e a mãe, acaba o romance unindo as duas margens do rio. (identificação projetiva parenteral). Devemos enxergar esta tragédia não somente sob o ponto de vista grego (pessimista e condenado) mas sob o ângulo visto pelo princípio de Dionizio, isto é, uma afirmação de vida, cujos atores revivem conflitos para serem úteis aos outros. Este princípio considera alegria eterna do devir (115, k) aceita “Demian” (68, c) o “mau ladrão internalizado”, porque sabe que em todos nós existem “coisas boas e coisas ruins” e que jamais o amor poderá dissociar-se do ódio. É somente sentir o predomínio do Amor (com A maiúsculo) para se chegar a felicidade. Não se deve ter, portanto, medo do “insight” essa terrível visão interior de nossos maus sentimentos, mas é com a sua ajuda (da psicanálise) que se chega a ter a possibilidade de sentir-se em paz.
No trabalho com elan se comprova - que é o amor aquilo que mais necessitamos. O amor enobrece e transforma uma tarefa em alegria, concorre para um bom estado de animo. Quem ama a vida através do trabalho partilha do segredo mais íntimo da vida!
Quem trabalha com amor tem, nisso, metade da compreensão, e com isso, embeleza sua vida. O tipo de profissão não interfere para se conseguir essa força vital e, se estivermos movidos pelo amor, palmilharemos sólida estrada, libertada de abismo que tragam outros incautos que se julgam mais apercebidos... Os índios peles vermelhas dos USA são tristes apesar do bom clima e os esquimós são muito alegres e sociáveis, apesar do gelo eterno e meses de escuridão invernal!
Herbert Marcuse (111) diz ser a civilização principalmente uma obra de Éros: “se não existe um "instinto de trabalho" original, então a energia requerida para o trabalho (desagradável) deve ser “retirada dos instintos primários”. Mas como nós civilizados temos uma luta constante contra o instinto de morte (que quer ganhar ascendência sobre o instinto de vida) estamos sempre ameaçados. E como diz Nietsche (119): "á nossa liberdade depende da reversão de sentimentos de culpa; a humanidade tem de acabar associada a má consciência, não com a afirmação mas com a negação dos instintos vitais, não com rebelião mas com a aceitação dos ideais representativos”.
Porém, a interpretação freudiana do ser, em termos de Éros, retorna ao estágio da filosofia platônica que concebeu a cultura não como uma sublimação repressiva, mas como um livre auto-desenvolvimento de Éros, no sentido de expulsar mais e mais o sentimento culposo. A meta do princípio do prazer freudiano ou seja ser feliz, é atingível, mas devemos nos esforçar para alcançá-la ou insistir para que esta meta não seja abandonada, e para este intuito não ouvidar a natureza e o poeta:
“Quando trabalhais, sois flauta através da qual o murmúrio das horas se transforma em melodia. Quem de vós aceitaria ser um caniço mudo e surdo, quando tudo o mais canta em uníssono? Eu vos digo que a vida é realmente escuridão exceto quando há um impulso. E todo o trabalho é vazio exceto quando se trabalha com amor! É tecer com fio desfiado de vosso próprio coração, como se vosso bem amado tivesse que habitá-la. É semear com ternura e recolher a colheita com alegria, como se vosso bem amado fosse comer-lhe os frutos. É por em todas as coisas que fazeis um sopro de vossa alma”. (58)
A temperança e o trabalho prazeroso são pois os dois melhores anti-ateroscleróticos que se conhece.
- Aprenda a usar o tempo;
- Aceite os seus erros
- Não complique as coisas;
- Tenha paciência diante dos defeitos de outrém;
- Saiba dizer não somente quando for muito necessário;
- Não exaura as suas forças,
Os trabalhos exaustivos de certos indivíduos quarentões e obcecados concorrem para "estourar" um infarto do miocárdio; esta atitude pode representar uma defesa hipomaníaca para não tomar consciência dos próprios conflitos ... embora seja ela básica para a aquisição do poder.
O trabalho em excesso pode, portanto, representar uma fuga de sentir quanto de ruim existe no mundo interior do homem; todavia, o trabalho que satisfaz, sem prejudicar a família pode ser devera útil.
Ingenieros (74) já escrevera: “o êxito é benefício, se merecido; exalta a personalidade, estimula-a. Possui outra virtude: desterra a inveja, incurável peçonha nos espíritos mediocres. Triunfar merecidamente, é o mais favorável orvalho por germe de superioridade moral. O triunfo é um bálsamo para os sentimentos, uma lima eficaz contra as aspereza do caráter. O êxito é o melhor lubrificante do coração, é malogro o seu mas causticante corrosivo”.
No aconselhamento osleriano “o melhor meio de nos prepararmos para o futuro é nos concentrarmos com toda a nossa inteligência, com todo o nosso entusiasmo, no trabalho que estivermos realizando hoje.
Freud, segundo Jones (84) trabalhou incessantemente até a senectude e, neste período, apesar de sua terrível doença orgânica, reformulou vários dos seus conceitos, atualizando-se e dando novas oportunidades para outras pesquisas, mais profundas.
Por outro lado, “o saber ser preguiçoso”, no sentido de ter direito ao repouso, e ao relaxamento, é salientada pela sabedoria chineza com a filosofia do lazer (180) e pelos indús para a preparação à meditação, meditação esta que leva a abstração mental ajudando a sedimentar os conhecimentos, a conquista da visão interior e aumentar a prolactina, hormônio metabolizador dos neurônios cerebrais; seria a utilização do terceiro olho, hipoteticamente a glândula pineal, a qual em animais inferiores, localizava-se externamente e modificou-se através da evolução, ficando em posição interna.
No “ECLESIASTES” do Velho Testamento (21, i) está escrito; que não se deixar dominar pela vaidade.
“Empreendi grandes obras, fiz jardins e pomares, construi açudes, comprei servos e servas, amontoei ouro e prata. Provi-me de cantores e mulheres. Engrandeci-me e sobrepujei todos os que vieram antes de mim em Jerusalém. Tudo quanto desejaram meus olhos não lhes neguei, nem privei meu coração de alegria alguma. Considerei todas as obras que fizeram minhas mãos, como também o trabalho que eu com fadigas, havia feito e eis que tudo era vaidade a correr atrás do vento e nenhum proveito havia sob o sol”.
Este tipo de trabalho vaidoso é assaz nefasto, assim como dizer que na sabedoria há muito enfado e quem aumenta ciência, aumenta tristeza. Este pessimismo não existirá se o indivíduo tiver tido um bom período de molde ou tiver solucionado os conflitos inconscientes geradores de culpa. Só assim o trabalho poderá ser profícuo e isento de vaidade, mas com orgulho construtivo.
Ter ciência de que a inteligência humana é incapaz, pelas suas próprias forças, de apreender a substância ou a essência íntima de Deus. Existem em Deus verdades inteligíveis, as quais são acessíveis à razão humana.
Os que dão fé a uma tal verdade, “cuja experiência não pode ser feita pela razão humana”, não agem com leviandade, “como se andassem atrás da fábulas sofisticadas”. Pois foi a própria Sabedoria divina, que conhece perfeitamente todas as coisas, como responde a Jó (21, h) apud Sto. Tomáz de Aquino (166) no seu livro “Sobre a Trintade” (livro II, cap. XI), em falando da verdade, assim se expressa – “Em tua fé, empreende, progride, esforça-te. Sem dúvida, jamais chegarás ao termo, eu o sei, mas felicito-te pelo teu progresso. Quem persegue com fervor o infinito, avança sempre, mesmo se por acaso não chegar ao fim. Todavia, acutela-te ante a pretensão de penetrar no mistério, ante o risco de te afundares no segredo de uma natureza que possa parecer sem limites, imaginando que estás compreendendo tudo. Procura entender que esta verdade ultrapassa toda e qualquer compreensão”.
Acredito que um dia quando a humanidade estiver acuada pela destruição, nascerão vozes libídicas que farão entoar a verdade; daí, o poder da razão humana, alicerçado nos conhecimentos de Homo Phantasiosus, ou Mythicus, poderá criar o amor e a amizade em toda a humanidade, mudando a sua fisionomia e confirmando a máxima de Salomão (142): “a sabedoria do homem embeleza seu rosto e transmuda seu semblante”! Outrossim, confirma o tipo cordial do ser: “o ordo amoris” de Max Scheler (146, a).
O Amor é um demônio,
Divindade intermediária entre os deuses e os homens,
Filho do Expediente e de Pobreza,
Nascido no mesmo dia em que nasceu Afrodite.
Ele é, ao mesmo tempo, belo e podre,
Argusto e audacioso,
De sua mãe erdou a instabilidade,
De seu pai herdou a coragem.
É caçador ardiloso, cheio de expedientes,
É filósofo e sofista,
Mágico e feiticeiro,
Nunca está nem na penúria, nem na opulência.
Está sempre entre a ciência e a ignorância,
Passa sua vida a filosofar,
Procura sempre o que é bom e belo,
Está à cata da felicidade.
Sua maneira de agir é gerar na beleza,
Segundo o corpo e segundo a alma,
Gerando corpos na harmonia e na beleza,
Procurando ansiosamente a beleza da alma.
O objeto de sua procura é a posse perpétua do que é bom.
Nesta vida,
Alcança a felicidade por degraus
Passando dos bens inferiores aos bens superiores.
Seu termo é a revelação do Belo.
Beleza de natureza extraordinária,
Razão de ser de todos os esforços que tentou até então!
A partir da beleza deste mundo,
Como por degraus,
Passando dos belos corpos às belas ações,
Das belas ações às belas ciências,
Chega-se, finalmente, ao conhecimento desta Beleza,
Chega-se à posse da realidade bela por si mesma.
Eis o têrmo da vida humana,
Para atingir este ponto vale a pena ter vivido!”
Ou como diz Keats (87) em “A beleza, caminha para Deus”:
“O belo é uma alegria para sempre,
Cresce constantemente o seu encanto,
Nunca está aniquilado,
Nos reservará sempre satisfação,
Refúgio tranqüilo, transporte, restauração”.
Com o decorrer dos anos ficamos gerodérmicos, mas a renuncia de um ideal enruga a alma. Somos jovens quando as preocupações, as dúvidas, os temores não nos desesperam porque temos confiança e esperança em soluciona-los e ficamos receptivos ao que ainda é belo, bom e grandioso. Vicente Azevedo (9) definiu muito bem a filosofia do envelhecer:
“É quando o dia de tua vida alcançar o seu declínio e a curva do tempo trouxer as sombras da noite, lembra-te, meu jovem, de que a mocidade não é um período da vida – mas um estado de espírito, um efeito da vontade, uma qualidade da imaginação, uma intensidade emotiva, uma vitória da coragem, do gosto do desconhecido sobre o amor ao conforto.
Não viveu mais aquele que conta mais anos, porém aquele que sentiu melhor, que viveu algum ideal. As cãs denunciam a idade, mas não dizem quanta juventude a precedeu. Somente envelhece aquele que perde, ou que renuncia ao seu ideal, ou que abandona o culto do bom e do belo, ou que é incapaz de um afeto, de um entusiasmo.
Enquanto o egoísmo é a erva mortal de nossa alma, - o altruísmo é a sua seiva, o seu sangue. Vive, meu jovem, para ser útil a teu irmão, a tua Pátria e Deus.
Jovem é o que se surpreende e se extasia, e, como a criança insaciável, sempre pergunta: E depois? Jovem é o que desafia os sofrimentos e as contrariedade, e encontra prazer nos imprevistos e até nos solavancos da vida.
Serás tão jovem quanto a tua fé. Tão velho quanto a tua dúvida. Tão jovem quanto a confiança em ti mesmo. Tão jovem quanto o teu desalento. Permanecerás jovem enquanto fores receptivo, sensível as mensagens da natureza, do homem, do coração e do infinito. Será jovem enquanto sentires desejo de ser útil à pátria, a humanidade de que participas.
E quando algum dia o teu coração for indiferente ao sofrimento alheio; quando o teu coração for dominado pelo pessimismo e corroido pelo desencanto – queira Deus na sua Onipotência e Misericórdia ter compaixão de ti e chamar-te, e acolher a tua alma, porque então, e só então terás envelhecido”.
O saber envelher é aceitar também a morte. Nietszche (119) pelo fato de vislumbrar a possibilidade de Super-Homem, pode afirmar a vida e consequentemente a morte: “Aquilo que tornou-se perfeito, tudo o que é maduro – quer morrer. Quero herdeiros. Quero filhos, não quero eu mesmo”.
O homem “com propósito” está sempre tentando garantir uma espúria e ilusória imortalidade por seus atos ao empurrar seu interesse à frente no tempo. Seria uma atitude paranóide para compensar o ruim interior.
Para conseguir a perfeição, Nietszche (119) queria vida irreprimida (alegria), queria eternidade, mas queria também morrer; Tudo o que é sentido, pensado ou feito com perfeição, é uma prece, um meio implícito de união com Deus; Todo o trabalho bem feito é uma oração; A eternidade é pois um modo de vislumbrar a libertação da humanidade da obsessão neurótica ao passado e do futuro; é um modo de viver no presente, mas também de um modo de morrer. Daí o máximo defeito de todos os céus com a mortalidade de além túmulo, que neles não há morte alguma; o horror à morte é o horror de morrer com aquilo que Rilke (134, b) chamava de linhas não vividas de nossos corpos. O corpo perfeito, ressurreto, que o credo cristão promete, quer morrer por ser perfeito. “Tudo que é perfeito quer morrer. Assume a maior força aceitar a morte”, Segundo o próprio Hegel (63) os filósofos existencialistas voltaram-se à sabedoria de Montaigne para que aprender filosofia é aprender a morrer. Faltando a esses filósofos o conceito freudiano de Éros, podem eles exibir o desejo inconsciente de morrer, do qual o próprio Freud com seu conceito de Éros não estava isento, quando mal compreendido.
Qualquer homem depois de ter vivido com V grande, isto é, sem sentimento culposo, pode se dizer em alto e bom tom: “missão cumprida”. Contudo, enfrentando a morte ele estará servindo a causa da vida!
A edificação de uma consciência humana suficientemente robusta para aceitar a morte é uma tarefa na qual filosofia e psicanálise – dão-se as mãos – e também a arte. Foi o poeta Rilke quem disse que era missão do poeta unir a vida e morte e que afirmava:
“Quem quer que compreenda corretamente e enalteça a morte, ao mesmo tempo engrandece a vida”.
Para alguns, a aposentadoria precoce eqüivale a uma sentença de morte. Eis um panegírico à aposentadoria:
Vinha o Califa, quando lhe chamou a atenção um velho, octogenário já, plantando a mudinha de tamareira. Parou, interpelou o velho zombando: então, já com o pé na cova, que tolice era aquela de plantar árvore que só iria produzir dali há muito tempo, para que e para quem colher? Ao que o ancião, tranqüilo, respondeu: seus filhos, seus netos, quem quer que Alá permitisse viver depois que ele tivesse partido.
Bastos Tigre (16) no belo soneto “Envelhecer”, ensina:
“Do que tiveres no pomar plantado.
Apanha os frutos
e colhes as flores
Mas lavra ainda e planta o teu eirado,
que outros virão colher quando te fores.
Quem dá, recebeu antes; quem serve já foi servido;
nem sempre o que colhe as searas as semeou, pois outros o fizeram antes,
desinteressadamente”.
Devemos pensar como podemos combater as mensagens bruxas desde os primórdios, nos períodos de molde (de zero a 7 anos) (115, a). Com a psicoterapia analítica de grupo um paciente consegue expulsar muita culpa decorrente das fantasias inconscientes, mas o mais importante é a profilaxia destas mensagens, estimulando os pais e os educadores de se absterem delas, tomando conhecimento de seus prejuízos.
A mensagem bruxa é dizer “eu te aguento”; a criança ou mesmo o paciente sente-se não amado e sim tolerado!
Fulano é bom, mas ... O mas, muitas vezes é uma mensagem bruxa por estar contaminada de instinto de morte (seja por inveja seja por agressão, seja por ressentimento, etc.).
O verdadeiro bom se resguarda em dizer ao fracassado ou ao enlutado, as causas do insucesso ou os defeitos do defunto...
Mensagem bruxa (115,h) é comunicação transmitida de maneira negativa, sentida, portanto, como censura e condenação com poder de maldição; é sempre inconsciente com predomínio do instinto de morte, embora as vezes pareça estar sob a influência libídica; é o resultado da introjeção dos objetos tanáticos; o indivíduo que manda a mensagem bruxa age de acordo com os sentimentos agressivos destes objeto; outras vezes há excesso de identificação projetiva destes objetos; tanto podem ser os pais como qualquer indivíduo, transformando-os em objetos bizarros, segundo o conceito de Bion (23).
Os pais dizendo: “você está com o diabo no corpo” ou “não dará nada na vida!” Eles podem ter boa intenção conscientemente (carga libídica), porém, inconscientemente, estão sob o predomínio do instinto de morte. A mensagem bruxa não se revela apenas quando os pais não acreditando no bom que o filho possui, só enxerga o ruim, mas também pela atitude de indiferença ou mesmo pelo silêncio quando deveriam dar uma palavra de alento, esperança ou crédito; por exemplo, quando a criança trás algo de bom (desenho) chamando a atenção da mãe e esta olha para ela e diz – “você está suja, vá tomar banho que depois eu verei” (é o duplo vínculo de Batenson) (18); um paciente após ter saído do Sanatório, estava no quarto imóvel sem pensar; chega a mãe e disse: “Olá! Como vai?” O paciente pensou, ela está pensando que eu voltei a ficar louco! Após quinze minutos chega o pai e fala: “O dia está lindo, vá passear lá fora”. Ele, paciente, teve o mesmo pensamento: meus pais não tem confiança em mim, na minha melhora! A mãe vai visitar o filho que acaba de recuperar-se de colapso nervoso, e pensa “espero que não esteja demasiado doente para abraçar-me”. Na verdade transmite; não me abrace senão eu o castigarei” e, ao mesmo tempo, “se você não me abraçar eu o castigarei”. É o seduzir e rechaçar. Estas atitudes parentais são de estrema importância no futuro desenvolvimento da personalidade.
A mensagem bruxa poderá partir de um outro indivíduo tal como na expressão popular: “Ai de ti menino, se teu pai te pegar, vai come-lo vivo”. O mesmo ocorre com a conhecida lenda: “um quiromante diz: “você vai morrer após seu irmão”. O indivíduo entrou em estado depressivo. Chamado outro quiromante que diz: “você vai sobreviver a seu irmão”. O indivíduo saiu da depressão. O primeiro quiromante usou a palavra morte, que conotou com um sentimento de destruição, isto é, tornou-se mensagem bruxa. Dos “Provérbios” diz Salomão (142): “A palavra a propósito e sensata é pômo de ouro marchetado a prata”.
Para conseguirmos a maturidade emocional precisamos regredir durante o tratamento psicanalítico à adolescência, à infância e à fetalização, como procurei demonstrar em outros trabalhos (115, b).
Aproveitando os ensinamentos da psicanálise devemos utilizá-los na medicina preventiva, olhando para os que nascem.
Bertrand Russel (140) já dizia: - “a vida deve ser inspirada pelo amor e guiada pelo conhecimento. Para bem compreender o amor é preciso falar dele como de uma enfermidade; é por este caminho que por vezes se consegue a cura. Diz Sthendal” (162): O amor como enfermidade é um dos grandes males da humanidade, senão o maior”.
Todos nós temos “coisas boas”, porém quase sempre misturada com coisas ruins, tais como a impulsividade, inveja, etc. mas estaremos satisfeitos em poder controla-las, na maioria das vezes, o que constitui uma boa perspectiva para um futuro promissor.
Deve-se educar a criança mesmo antes da concepção, isto é, que os seus pais tenham se casado por amor (mas não somente pelo amor genital, mas também pelo amor completo e amadurecido).
Estas “sombras dos ancestrais” dos negros africanos, impedem a procriação e precisam ser eliminadas pelo pajé; o casal estéril julga estar sob a má influência da “sombra de um ancestral”; ele necessita exorcizá-la e para tal, procura o pajé e submete-se ao cerimonial. O casal abre um buraco na terra cujo orifício é circundado com água pura; os dois ficam nesse local até o pajé dar ordem de sair pelo outro orifício, no qual existem alimentos e ervas da floresta. O casal é dirigido pelo pajé ir a uma cabana com uma franga pregne; se esta botar o ovo, a mulher já poderá engravidar. Na interpretação psicanalítica: a terra representaria, para a fantasia inconsciente a volta ao útero materno e para que isso se processe, sem contratempos, o casal necessita de ser purificado (água) em conseqüência das culpas decorrentes das fantasias inconscientes de incesto e eliminar os objetos ruins internalizados (mãe má ou pai mau). O pajé é o pai bom que perdoa (uma das funções do psicanalista), as fantasias inconscientes que causaram culpa, e, portanto, a esterilidade.
Fato similar ocorreria com as espirais de “Koundalini” (em sânscrito, significa cobra que tentou Eva), símbolos ambivalentes, isto é, que podem significar tanto o mau como o bom. O exemplo do nativo africano são motivados pela influência cultural, mas originários de conflitos inconscientes.
Os jungianos aceitam que para se chegar ao domínio de si mesmo não há outro remédio a não ser vencer o próprio dragão, e, como soi com os mitos, banhar-se com o seu sangue. Criar crenças tornar-se um hábito e com o tempo essa atitude nos faz afastar da pura realidade.
Isto não quer dizer que não devemos revelar a verdade. É saber e ter arte em revela-la. É necessário e imprescindível tirar a máscara do paciente, isto é, que a persona seja realmente conhecida (máscara é aquilo que colocamos para aparentar o que não somos, mas que gostaríamos de ser – é a imagem idealizada) sendo necessário a quebra do falso orgulho dominado pelas elaborações secundárias de fantasias inconscientes dominadas pelo instinto de morte (há o orgulho libídico, positivo, tal qual a satisfação de se ter executado, com êxito, um empreendimento), como também a quebra da soberba, da arrogância e da vaidade. O trabalho do psicoterapeuta e do conselheiro é desarmar toda esta estrutura. Não é fácil desarmar esta estrutura devido a resistência do ser humano em não querer se conhecer. O medo da verdade é tradicional em nossa civilização – Giordano Bruno foi queimado porque dizia aos homens que eles eram uma poeira de nuvem entre inúmeras nuvens e Charles Darwin (42) foi repudiado por ter lançado a hipótese de que os homens descendiam do macaco ... Na política o mecanismo é o mesmo; o conservantismo repousa sobre as limitações confessadas do homem; a reforma, ao contrário repousa sobre a sua indisputável infinidade; esta é afirmativa, àquela negativa (no dizer de Emerson) (50).
Nietszche (119) dissera: “É preciso a angústia de ser um caos para se gerar uma estrela”. O desenho na capa do meu livro “Medicina Psicossomática” é mensagem aos pacientes: o psicanalizado deve ser um Teseu ao penetrar no labirinto do inconsciente para enfrentar o minotauro (seus conflitos causadores de culpa), não sabemos se este é muito forte ou simples escaravelho; o êxito dependerá do analista ter um fio de Ariadne.
Ivan Ribeiro (133, a), acha que o ofício de psicanalista é como ascese e compara-o com Deus Janus: ele tem como resultado a descoberta de fios de espaços de tempos heterogênios, atá-los seria uma construção que usurparia o direito que o paciente tem de ser e de permanecer em labirinto, ele preferirá o seu. Jorge Luiz Borges (24) escreveu: “um fugitivo não se oculta num labirinto, quando o universo já o é”. O poeta Gonçalves Dias (40) retrata muito bem esta situação:
“Não chores meu filho;
Não chores que a vida
É luta renhida;
Viver é lutar
A vida é combate
Que os fracos abate
Que os fortes, os bravos,
Só pode exaltar”.
Como também Francisco Octaviano (40) celebrizou-se com os ditos deste poema:
“Quem passou pela vida em branca nuvem
E em palácio repousou e adormeceu ...
Que não sentiu o frio da desgraça,
Quem passou pela vida e não sofreu ...
Foi espectro de homem, não foi homem,
Só passou pela vida, não viveu ...
ou então como escreveu Hamilton Mabie (40).
“Não receies a adversidade ...
Lembre-se que os papagaios de papel
Sobem contra o vento, e não em favor deles”.
O importante é não ter medo e angústia de se penetrar no labirinto da vida porque, para o analista-Ariadne, as esperanças não fenecem, principalmente se ele conhecer o paciente e facilitando-lhe a visão interior que é diferente da nossa visão retiniana e que precisa experiência, isto é, aprender a ver tal qual o radiologista que tem o aparelho, tira a chapa, mas é necessário saber interpretá-la com sabedoria; tal como Janus, o analista é bifonte, contempla os conflitos inconscientes e a realidade externa, percebe as ligações e as distâncias entre elas e entre a aparência e a identidade, sabendo quando o paciente fala a verdade; todavia, ele procura colocar o HomoMythicus à par do Homo Sapiens, para assim poder torná-lo Homo Moralis e até Homo Noumenon, cuja peregrinação será no céu.
O homem quer se conhecer, mas tem medo; medo até de submeter--se a testes psicológicos que poderiam revelar traços de seus conflitos, medo de submeter-se as dosagens hormonais dos testículos devido ao medo de revelar a sua parca virilidade, medo de submeter-se a psicanálise, motivo pelo qual utiliza a intelectualização para se conhecer.
A atitude do Papa Urbano contra Cornelius Otto Jansen (79) que pregava que em Deus daria a capacidade de amar, de ser puro; aquele que recebe esta graça é um predestinado (isto é, aquele que nasceu com ego forte, Homo Erogenus ou que não teve a predominância das elaborações secundárias das fantasias inconscientes dominadas pelo instinto de morte ou melhor, a inveja inata). Se o homem nasce sem o “instinto religioso" isto é com ego frágil ou esburacado, segundo Ammon (6), dominado pela inveja e irritabilidade inata do núcleo amidalóide (115, n) somente poderá receber a Graça Divina de maneira gradual, sendo demorada a conversão. O guia será a experiência religiosa, espiritual e não a razão (como querem os hegelianos e aristotélicos). Aliás, os gurus referem que existem religiosos e mesmo colegas de ofício que jamais conseguiram chegar a grande meditação profunda (o Zen) por que acabou sofrendo somatizações tão intensas que a maioria não resiste esta ascese. O mesmo se dá com o néofito no tratamento psicanalítico; se a sua resistência for acentuada, motivo pelo qual não vivenciará os conflitos inconscientes e não se processará a transferência, fatos estes que concorrem para o abandono da análise; ele procurará, então adquirir os conhecimentos através da razão (leitura de livros especializados!). Não resta dúvida que a vontade é importante. “Querer vencer é já ter percorrido metade do caminho da vitória” (O. S. Marden) (40): “Sereis bem sucedido mesmo que os demais não crêm em vós ... contanto que tenhais confiança em vós próprio”; ou segundo Emerson (40): “os vencedores da batalha de vida são homens perseverantes que sem se julgarem gênios se convenceram de que, só pela perseverança e esforço chegar ao fim almejado”.
Sem a vivência dos conflitos que, na maioria das vezes, se obtém pelo "insíght" e pela destilação de culpa inconsciente, através das emoções ocorridas em um tratamento psicanalítico, dificilmente, o indivíduo se conhecerá. Psicanálise não é culto ao individualismo; haja vista a própria psicoterapia analítica de grupo. Ao contrário, elas buscam recuperar a vocação humana pelo verdadeiro conhecimento, elas fazem romper a rigidez do consciente, freqüentemente mais interessado nas conveniências imediatistas que na verdade mesma. Elas estão mais interessadas em exorcizar os objetos maus para permitir uma criatividade sã. O conhecimento dos conflitos permite um conceito mais concreto e abrangente com a realidade. O homem sempre desejou conhecer em palavras aquilo que sempre conheceu em pensamento íntimo, tal como no dizer de Kazantzakis (86,a)
. .."Em mim ressoa uma ordem: cava! Que vês?
... Homens e pássaros, pedras e flores.
... Cava mais! Que vês?
... Idéias e sonhos, clarões, fantasmas...
... Cavas mais ainda! Que vês?
... Nada. Uma noite densa, muda., surda como à morte. Deve ser a morte.
. .. Cava um pouco mais.
....Ah! não consigo penetrar mais a muralha negra! Ouço gritos e prantos, cujo frêmitos de asas que vêm da outra margem!
... Não chores, não chores, não vem da outra margem! Os gritos, os prantos e as asas... vem do teu coração!
Aquilo que se obtêm aparentemente quando menos se espera, através de uma interpretação, é produto de muito sofrimento e muito sacrifício anteriores, tal como o botão que desabrocha esplendoroso na primavera, formou-se no inverno, com muita dificuldade.
Os golpes da adversidade produzidas algumas vezes pelas interpretações são terrivelmente amargos, porém jamais estéreis. Enquanto houver apenas dúvida sobre o êxito de uma interpretação, mas houver uma única possibilidade de que o resultado seja favorável, porque o momento é preciso e precioso, não devemos desanimar e nem pensar em não utiliza-la. Não se pode impedir o triunfo certo de uma interpretação certa de quem tem fé invencível na sua missão. Todavia, precisamos paciência e muita paciência, para obtermos bons resultados, mas não devemos esquecermos que uma palavra dita a tempo vale mais do que um grande discurso tardio.
Se você plantar uma semente no solo e desenterra-la a todo momento para ver se está crescendo, ela jamais germinará. De modo semelhante, se todas as vezes que você interpretar, ficar esperando um sinal positivo de reação do paciente, ficará desiludido e desenxabido. Continue interpretando, transferencialmente, sem cessar. Um dia subitamente, você verá o seu desejo atingir o âmago e ele se concretizará. Contudo, não se olvide, jamais chegará aos ouvidos de seu analisando palavras sem sentimentos; já os provérbios salomônios diziam:
Não devemos esquecer, se não estamos achando uma interpretação certa (uma verdadeira) é porque não estamos fazendo o esforço necessário de meditação ou do “não pensar, de não ter memória e nem desejo” ( do conceito bioniano), tal como se não encontrarmos a pérola depois de dois mergulhos, não censuremos o oceano ... Censuremos sim o nosso mergulho, não estamos indo suficientemente fundo, no cerne do diálogo; nós acharemos a pérola da “nossa presença dentro do analisando”.
Em 24 de abril de 1955, S.S. o Papa Pio XII declarava num discurso perante a Academia Pontífica das Ciências: “Não chegou a Ciência ao ponto de exigir que o olhar penetre facilmente as realidades mais profundas e se erga até uma visão completa e harmoniosa dos conjuntos?” (apud Chardin) (35).
Gibran (58) diz: “É o tesouro de vossas profundezas ilimitadas que precisa revelar-se aos vossos olhos. Mas não useis balança para pesar vossos tesouros desconhecidos; e não procureis explicar as profundezas do vosso conhecimento com uma vara ou com uma sonda. Porque o Eu é um mar sem limites e sem medidas. Para isso não digais: encontrei a verdade! Direis de preferência: encontrei uma verdade!.
“A visão de que nada sabemos me deixará em chama o coração” Goethe ( ).
“Lasciate ogni speranza, voi C’entrate” (41).
Para entrarmos na mandála, círculo mágico do equilíbrio vital, necessitamos conhecer o nosso processo inconsciente. Para isto, precisamos decidir, arriscarmos, mudarmos de estágio, isto é, passar para outro plano (estágios Kierkegaardianos, planos de lamaísmo, da filosofia ioga, a vivência do inconsciente durante a psicanálise, etc.). Todo o indivíduo que teve a ventura de ter tido um bom período de molde, pode não necessitar de psicanálise, mas deve aprofundar-se na meditação pois ser-lhe-á útil, principalmente se for bem conduzido. Contudo, aquele conflitado (infelizmente a maioria) necessita conhecer-se através de uma análise profunda e demorada. A missão do conselheiro ou do psicoterapeuta é de ajudar o paciente a arriscar-se; é ajuda-lo “a saltar”. É como abrir a “cortina do tórax”, olhar para dentro e não ter medo das coisas ruins lá existentes, enfrentá-las ...
São Francisco de Assis era apelidado de “Fatuello di Dio” (doido de Deus) e Santo Inácio proclamou: “hás-te fazer doido, se queres ser santo” “Insiendum est, si vis esse perfectus” (105). São Francisco, em seu período de molde sofreu muito com seu pai rico (rico mercador e intransigente em seus ideais para com o filho Francisco); ele não conseguiu identificar-se com o pai, motivo pelo qual procurava identificar-se com Jesus apresentando até estígmas de crucificação nas mãos e pés, fenômeno hemorrágios cutâneos (103) similares as marcas do senhor. Diante da reclamação do pai (havia dado dinheiro a um mendigo), São Francisco em plena praça de Assis, rebelou-se, despindo as próprias vestes, devolvendo-as a ele (pai) rejeitando assim, publicamente a figura do pai. O pai jogou-lhe maldição; São Francisco auto-flagelou-se, submeteu-se a severo jejum teve inúmera visões e sonhos e teve as mesmas chagas de Cristo na Cruz. Foi a maneira de identificar-se com um pai bom, Cristo. Estas atitudes dos indivíduos, sejam elas as somatizações ou as ilusões ou idealizações cósmicas, precisam ser conhecidas de maneira profunda, caso contrário, o indivíduo pode ou tornar-se santo ou escritor ficcionista para não descambar à psicose (provavelmente tais seriam os casos de Lewis Carol, cujo nome verdadeiro era Charles Dogson, que escreveu “Alice no pais das Maravilhas” ou Daniel Dafoé no seu livro “A vida e estranha aventura de Robison Crusoé”.
Precisamos tomar conhecimento de nossas “loucuras” para podermos controlá-las; elas não são tão raras como se pensa, pois um indivíduo com um núcleo psicótico pode apresentar a clássica exclamação: “puxa vida que burrada! Fiz sem pensar! ...” É o chamado elemento beta de Bion (16). O indivíduo não usa o crivo da consciência, age sem pensar (não houve a atividade da função alfa). O próprio Bion denominou de personalidade psicótica aos indivíduos que apresentavam intolerância às frustrações (pequenas que elas sejam), incapacidade de amar (amor misturado ao ódio, amor agressivo e sádico), dominados por fantasias inconscientes de violência, inveja, voracidade e com impulsividade agressiva, tornando-os de difícil convívio conjugal ou familiar. Eles são desconfiados, sentem-se perseguidos devido utilizarem, inconscientemente, os chamados objetos bizarros, isto é, jogam nos outros idéias, sentimentos e atitudes e estas voltam, em suas fantasias, contra a própria pessoa, com grande poder de maldade; de perseguidores, passam a sentir-se perseguidos, é o que denominamos de “sistema bumerangue”. Além disso, esse indivíduos apresentam inibições sexuais que procuram esconder ao máximo e sentimentos intensos de rejeição e de injustiça, levando-os a se descontrolarem por episódios – é a mudança catastróficas atingindo os que com eles convivem. Ao abordarmos a ilusão, representação e as alucinações, voltaremos a detalhar este “sistema bumerangue”.